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sexta-feira, 25 de julho de 2014

A HORA DA ESMOLA


Rangel Alves da Costa*


A compra de voto, esse ato tão corriqueiro de prometer um emprego ou oferecer algum bem material em troca da opção do eleitor, possui nome bonito e pomposo: captação ilícita de sufrágio. Previsto nas legislações eleitorais, o crime de compra de votos já provocou consequências desastrosas para muitos eleitos que, denunciados, foram processados e acabaram perdendo seus mandatos. Verdade é que em alguns casos a lei prevaleceu diante da comprovação de ilícitos. Não defendo a prática de qualquer tipo de crime, mas com relação à compra de votos não vejo qualquer ilicitude. É um entendimento pessoal, apenas.
O Código Eleitoral (Lei 4.737/65), em seu artigo 299, prevê tal ilicitude. E descreve a conduta nos seguintes termos: "Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto, e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita". A Lei 9.504/94, no art. 41-A (incluído pela Lei 9.840/99), igualmente proíbe tal conduta. E afirma que a compra de votos se caracteriza quando desde o registro de sua candidatura até o dia da eleição, para tentar garantir o voto do eleitor, o candidato oferece em troca dinheiro ou qualquer “bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública”.
Reiterando o entendimento preliminarmente abraçado, vejo como totalmente descabida uma legislação eleitoral que imponha proibições aos candidatos no seu processo de conquista de votos. A eleição exige disputa e esta, como o próprio nome indica, requer estratégias e mecanismos além de meros argumentos e meios de convencimento. Ademais, diante da esteira lamacenta que envolve a política e os políticos, da descrença lançada em todos os pleiteantes, não é o velho e impraticável discurso que vai atrair o eleitorado.
Todo cidadão que se lança candidato sabe muito bem o quanto é difícil conquistar qualquer voto. As velhas raposas também sabem que não existem mais aqueles currais de porteiras fechadas e uma liderança negociando voto como se fosse bicho. Na maioria das situações, o povo tomou as rédeas da escolha para si e ele mesmo procura intermediar qualquer lucro com o seu voto. E o candidato que tanto precisa somar tem de negociar, sob pena de não ter seu nome na lista dos votados. É assim que acontece e que ninguém pretenda dizer que alguém é eleito apenas porque é bonzinho, trabalhador e honesto. Tem que gastar, e muito. A verdade é essa.
A maioria das pessoas sabe muito bem da dinheirama que é gasta numa eleição. Não há circulação de moeda maior que nas vésperas de qualquer pleito. A verdade é que não adianta - sob pena de derrota vexatória - se lançar candidato sem ter meios financeiros suficientes para bancar a disputa. Queira ou não, seja legal ou não, mas sempre terá de colocar a mão no bolso para pagar uma feira, contas de água e luz, remédios, óculos, dentadura e uma verdadeira cesta assistencial, sem falar no pacote fechado com aquele que surge como dono de tantos votos. A lei diz que tudo isso é crime, mas não há como criminalizar uma prática que além de não ser atentatória à vida ou a dignidade de ninguém, acaba ajudando o eleitor carente na sua sobrevivência.
A própria classe política se desvalorizou tanto que acabou inflacionando a disputa eleitoral. Diante da descrença do povo, jamais conseguirá votos suficientes se não se dispuser a ajudar materialmente os eleitores mais empobrecidos. E o povo pede mesmo, exige que o candidato lhe garanta qualquer benefício. Ora, são eleitores realmente pobres, necessitados, carentes de quase tudo, e aproveitam a oportunidade para ter um saco de cimento, uma passagem para um parente e assim por diante.
Mas a lei diz que não pode ser assim, que é crime. E certamente foi uma legislação surgida da concepção que o eleitor não precisa se submeter aos favores eleitorais, pois sempre trabalhador e pode adquirir o que necessitar com recursos próprios. Quer dizer, não considera que grande parte da população brasileira continua na linha de pobreza. Mas as leis proibitivas também podem ter surgido da ilusória ideia que a totalidade do eleitorado é consciente e que prevalece uma cultura de saber escolher o melhor sem que o candidato possa interferir na sua tendência. E em tudo o descompasso com a realidade.
Tanto o legislador como o aplicador da lei têm plena consciência que o alcance das normas está muito distante daquilo que realmente se pretende coibir. Ademais, ressoa como totalmente falso o argumento de que a compra de votos acaba privilegiando candidatos endinheirados em detrimento daqueles economicamente mais fragilizados ou que a disputa estaria desequilibrada pelo uso abusivo dos meios de captação. Repito: quem não pode bancar uma campanha nem deveria se lançar candidato.
A verdade é que a compra ou troca de votos provoca, em muitas situações, um verdadeiro alívio tanto para candidatos como para eleitores. Ora, a descrença na política é tanta e o medo de rejeição é tão grande que o postulante acaba colocando o feijão na mesa esquecida, vestindo e calçando gente, ajudando a levantar a parede. Daí que não vejo crime algum em o candidato estar presente naquelas situações de penúria e onde os poderes públicos estão sempre ausentes.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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