SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 12 de julho de 2014

PESSOAS MUITO ESTRANHAS


Rangel Alves da Costa*


Não acontece rotineiramente, mas nas minhas caminhadas tenho encontrado pessoas estranhas, muitíssimo estranhas. Nesse mundo de hoje, de difíceis convívios, inimizades mesmo sem ser conhecido, arrogâncias, frieza na alma, deseducação e egoísmos exacerbados, encontrar indivíduos que fujam de tais características é realmente difícil de acontecer.
Mas de vez em quando acontece. Daí que todas essas pessoas logo aparentam ser muito estranhas, e quase sempre imaginadas como mentalmente afetadas, de pouco juízo ou portadoras de distúrbios desconhecidos. Aceitemos ou não, basta que alguém fuja dos padrões socialmente estabelecidos para que se tenha como alienado.
Caminhando em direção a uma esquina perigosa pela grande movimentação de veículos, ainda longe avistei alguém levantando a mão para um carro parar e em seguida ajudar uma senhora idosa na travessia. Achei duplamente estranho, tanto pela atitude do jovem como pela atenção do motorista, vez que em situações tais a velocidade do veículo é aumentada ainda mais e quem quiser que ouse passar adiante.
Avistei pessoas passeando pela praça, dialogando com a natureza, sorrindo para os pombos, sentadas ao chão brincando com as folhas mortas, lendo e escrevendo poesias. Que coisa mais estranha, logo imaginei. Num mundo de correia, de afobação, quase sem tempo para olhar por dentro da janela da vida, e aquelas pessoas, jovens e velhos, buscando o silêncio da praça e a paz do entardecer. Desde muito tempo que eu não avistava nada igual. Eu mesmo já havia me esquecido que praça também tem a serventia do encontro consigo mesmo.
Noutros instantes e noutros lugares, acabei avistando pessoas que eu imaginava nem existissem mais. Um senhor tirou o chapéu e fez reverência ao passar por uma senhora. Um rapaz passou com feição alegre, quase sorridente, cumprimentou e seguiu adiante. Uma mocinha descuidadamente trombou num rapaz e em seguida pediu mil desculpas. Alguém procurava uma lixeira para depositar um impresso de propaganda recebido. Outro seguia festivo, cheio de contentamento, cantarolando baixinho uma velha canção de amor. Só acreditei porque vi. Diante da realidade nas formas de conviver, sempre cheias de embrutecimentos e brutalidades, pensei estar em outro lugar e diante de pessoas bem diferentes daquelas que conheço.
Coisa mais estranha naquelas outras pessoas que fui encontrando. Uma mulher colocou a roupa no varal, sentou ao lado numa cadeira de balanço, olhou vagarosamente para o horizonte, derramou duas lágrimas de saudade e depois adormeceu. Um jovem de flor à mão declamava um poema diante de uma bela donzela enrubescida na janela. Um ambulante passou levando um carrinho e oferecendo maçã do amor e algodão doce, e no mote dizia que estava sendo portador de uma pessoa enamorada. Que coisa mais encantadora, achei. O romantismo em tempos de angústias é realmente de se admirar. E que pessoas mais estranhas aquelas que agiam assim.
Eu sempre avistava uma jovem andando apressada, quase em correria. Depois fiquei sabendo que ela se apressava assim para visitar pessoas enfermas e proporcionar-lhes instantes de conforto e carinho. E fazia o mesmo com desconhecidos e enfermos em lugares distantes. Pessoas que agem assim se tornam muito estranhas diante de nós. Não porque fazem aquilo que intimamente nos privamos de fazer nem porque agem com uma brandura e uma espiritualidade que escondemos ou relegamos ao esquecimento, mas porque encontram tempo para fazer o bem. E fazem.
E quantas e tantas pessoas encontro fazendo as coisas mais simples da vida e aos meus olhos parecem tão diferentes e estranhas porque a outra realidade foi cruelmente impondo outra visão. Ora, num mundo de violências, atrocidades, desunião e disputas, onde qualquer olhar pode causar um revide brutal, o encontro com pessoas afáveis e educadas, humildes e singelas, se torna em verdadeira estranheza. Mas que dera andar por aí e encontrar cada vez mais essas pessoas tão enlouquecidas de humanismo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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