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quarta-feira, 30 de julho de 2014

SERTÃO SEM FOLE (E A MORTE LENTA DA TRADIÇÃO SERTANEJA)


Rangel Alves da Costa*


Está se aproximando a festa mais tradicional de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo e região, a sempre esperada comemoração de agosto em louvor à Padroeira Nossa Senhora da Conceição. Original e tradicionalmente comemorada entre os dias 13 a 15 de agosto, em quaisquer dias da semana que caíssem, agora foi dividida. No fim de semana anterior (08 a 10) haverá a festança musical; e nos dias 13 a 15 as comemorações religiosas.
Absolutamente nada contra tal divisão, até mesmo porque se evita que donos de veículos ignorantes abram as malas com sons potentes e ensurdecedores bem ao lado da igreja e nos horários dos ofícios religiosos. E já aconteceu de ninguém conseguir sequer se reunir no templo ou arredores por causa da violência estrondosa nos carros perfilhados pela praça. Donos de veículos verdadeiramente desrespeitosos e estúpidos.
Entretanto, há uma crítica que não pode deixar de ser feita com relação à programação musical. Nada em desfavor dos gostos dos jovens que admiram o que bem entenderem, indo do arrocha à breguice eletrônica, do falso sertanejo a essas bandas de meia pataca que tanto fazem sucesso por lá. Há de considerar, porém, que a população do município não é formada apenas por jovens de gostos musicais duvidosos. Felizmente ainda há uma parcela da população - e talvez a maior - que gosta e admira a música própria da terra.
E falar em música própria da terra invariavelmente se diz acerca do forró, do forró pé-de-serra, do chinelado no salão, do ralabucho comendo no centro, até o dia amanhecer. E falar em forró implica em citar o sanfoneiro, forrozeiro, zabumbeiro, cantador, sertanejo dançador, matuto apreciador, piso de barro batido, sala de reboco, salão, cachaça e cerveja, suor escorrendo e molhando a roupa nova de festa.  E tais figuras, personagens, gostos e situações, parecem nem existir mais nas distâncias sertanejas.
Não se deve esquecer que todo e qualquer outro ritmo ou estilo musical que chegue ao sertão sem ser forró, repente ou violado caipira, deverá ser visto como alheio às tradições e costumes do povo nordestino, principalmente o sertanejo. Engana-se quem achar que o forró é coisa de sertanejo velho e ultrapassado e que sua dança é coisa de matuto. A sua autenticidade é tamanha que os centros de tradições nordestinas vivem completamente cheios no sul do país. E por que o desprezo da própria juventude sertaneja pelo seu ritmo tão fascinante e encantador?
Sei que os modismos musicais e a proliferação dessas bandalheiras de estilos e músicas sempre iguais possuem o dom de atrair pessoas descompromissadas com a valorização das coisas próprias, ainda que reconhecidamente belas. Assim acontece porque os jovens procuram no volúvel o preenchimento de suas instabilidades comportamentais. E muitas vezes acabam, por vergonha de serem autenticamente sertanejos, preferindo se requebrar diante de músicas vulgares, apelativas ou de duplo sentido.
Mas não é somente culpa do jovem, vez que também a falta de opção o faz admirador de qualquer coisa imprestável. E a verdade é que não se tem mais música sertaneja no próprio sertão. Em tempos passados, nada mais que cinco salões dispunham de forró e forrozeiros da melhor qualidade. As festanças eram abrilhantadas por sanfoneiros do quilate de Zé Aleixo, Dudu, Zé Goiti, Agenor da Barra, Dida e tantos outros.
Não se deve esquecer que ao lado dos forrós havia também bailes românticos e com conjuntos e bandas musicais realmente decentes. Pelo salão do mercado já passaram, por exemplo, Los Guaranis, Tuaregs, Embalo D, Dissonantes, R Som 7, Embalo Z, e tantos outros. E em espaço aberto também já foram contratados artistas famosos, de renome no cenário musical. Houve até uma época com oito dias de festa e a cada dia uma atração diferente.
Mais recentemente, Miltinho - e que saudosa memória! - chamou para si a responsabilidade de manter a tradição forrozeira em Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. Aqueles que não gostassem das bandalheiras na Praça de Eventos corriam para o salão de seu bar e lá a festança estava garantida. Mas o nosso amigo, o grande guardião forrozeiro, já não está entre nós. E agora?   
A verdade é que após a privatização da Praça de Eventos grande parte da população poço-redondense ficou sem opções para comemorar sua padroeira. Os empresários se negam veementemente a contratar outra coisa que não seja a mesmice de sempre, mudando somente o nome. Os forrós rarearam-se de vez, apenas um ou outro pelos escondidos, e o que se tem mesmo é a triste visão de uma juventude se delirando com aquilo que nada tem a ver com sua história ou com o seu mundo.
Por isso, “Chora sanfoninha, chora, chora, chora sanfoninha meu amor...”.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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