Rangel Alves da Costa*
Tornou-se praxe a fixação de impressos com os
seguintes dizeres nas repartições públicas: Código Penal - Art. 331 - Desacatar funcionário público no
exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2
(dois) anos, ou multa. Significa dizer que quem ousar tratar mal, com
arrogância ou desrespeito o servidor ali atuante, estará cometendo crime de
desacato. Até aí tudo bem, eis que o respeito e o acatamento devem pontuar
todas as relações humanas.
Mas será que há contrapartida de acatamento
do funcionário público que está ali - e é remunerado para tal - para atender
bem e respeitosamente à população, principalmente a mais carente, humilde e
desinformada? Será que o mesmo direcionamento da lei não deveria ser observado
por aquele que não deseja ser desacatado? Ou somente o pobre cidadão pode ser
mal atendido, desrespeitado, ignorado, humilhado, escorraçado, e ainda assim
ter de baixar a cabeça para não incorrer em desacato?
Parece praga, uma doença contagiosa que desde
muito assola o serviço público, seja municipal, estadual ou federal, envolvendo
todos os órgãos e instituições. Nem precisa qualquer embasamento em pesquisa de
opinião para saber que nenhum cidadão se mostra satisfeito com o serviço que
lhe é prestado, incluindo o atendimento, a falta de informações, a burocracia,
os caminhos sempre mais difíceis que se exige na resolução de simples
problemas. E a demora no atendimento parece propositada.
Eis uma cena corriqueira, de todo dia, em
todo lugar: Chega uma pessoa aflita, com papelada na mão para resolver um
problema, ou retira uma senha e vai sentar esperando sua vez ou se dirige
diretamente ao balcão. Do outro lado, geralmente de cabeça baixa, preguiçosamente
olhando por cima dos óculos, de cara sempre fechada, com aspecto de poucos
amigos, o servidor atendente pergunta o que deseja. Dependendo da situação,
logo procura tornar uma solução em problema, fala rispidamente com a pessoa,
procura sempre o caminho mais difícil e complicado. E não raro apenas dizer,
com frieza mortal, que volte tal dia, não é aqui não, que procure outra
repartição, ou mais neste sentido.
Ofendido, destratado, negligenciado, tratado
com descaso, caso o sujeito pretenda ali mesmo fazer uma reclamação certamente
que não conseguirá. Acaso saiba ler, talvez encontre uma informação pregada num
mural dizendo que qualquer reclamação deverá ser feita na ouvidoria do órgão.
Mas ali mesmo nada conseguirá, e por mais que tente encontrar um superior que
possa tomar providências, ao olhar de canto a outro sempre encontrará
funcionários com feições de poucos amigos, com aspectos enraivecidos, fechados,
taciturnos, parecendo mal-amados ou mal amando o mundo inteiro.
Assim acontece em todo lugar. No caso de a
pessoa ter influência pela amizade, pelo prestígio social ou político, poder ou
riqueza, terá acesso garantido, logo lhe será apontada uma cadeira confortável,
oferecido um cafezinho, atendimento rápido e tudo o mais que necessitar. Mas do
contrário, se a pessoa que ali chegue seja um zé-ninguém, um pobre trabalhador,
um pacato cidadão que labuta debaixo do sol e da lua para sobreviver,
certamente que sofrerá o pão que o coisa ruim amassou. E tão mal atendido será
que mais parecerá que o servidor é pago para humilhá-lo, subjugá-lo,
destratá-lo da forma mais acintosa possível.
Tais desserviços à população, principalmente
aquela mais carente, demonstra bem o tipo de compromisso e de respeito que a
maioria dos servidores públicos possui para com o seu igual na existência
humana. A estupidez e a arrogância nos tratamentos refletem muito bem como os
governantes cuidam da população. No caso dos servidores a situação se torna
ainda mais grave à medida que recebem seus salários com os impostos pagos pelo
próprio povo, pela mesma classe social que tanto é destratada, ferida na sua
dignidade e menosprezada nos seus direitos mais elementares.
Inadmissível, pois, que servidores públicos
se desvirtuem no exercício de suas funções e, por problemas pessoais ou
empregatícios, passem a derramar suas iras, seus ódios e descontentamentos
perante aqueles nada têm a ver com os seus problemas. Ademais, o povo não tem
culpa se acham que estão ganhando pouco, se possuem problemas familiares, se
não gostam da função que exercem ou se trabalham como um fardo de vida. O povo
não tem culpa de nada disso. O mínimo que o cidadão deseja e requer é ser bem
recebido, atendido, respeitado e valorizado, e exatamente por ser cidadão,
pagar impostos e manter toda a estrutura administrativa em funcionamento.
Mas parece não haver mesmo jeito. Urge que se
dê um exemplo. Uma pessoa simples, de pouca informação, humilde na mais ampla
expressão, que chegue numa delegacia metropolitana em busca de uma informação,
depois certamente dirá que nem presa deseja voltar ali. E assim porque
geralmente encontra o atendimento mais desqualificado e desumano possível. Pelo
próprio ambiente, a pessoa já teme pedir qualquer informação, e quando abre a
boca dificilmente é bem ouvido é respondido. Pelo tratamento considerado, a
pessoa talvez seja vista como tudo, menos como gente.
É assim, com raríssimas exceções, que a
desumanização nos órgãos e instituições se tornou em verdadeira política de
convivência entre aquele que se acha importante demais para subjugar e aquele
que se reconhece impotente demais para contestar. E quanto mais o nível do
servidor ou agente vai subindo mais verá o cidadão humilde na dimensão
desejada. Ou seja, como ninguém.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário