Rangel Alves da Costa*
Outro dia ouvi em algum lugar que está cada
vez mais difícil de encontrar aquele velho e conhecido - ao menos para os de
minha geração - papel de carta. Lamentável acaso tal ameaça possa se comprovar.
O papel de carta simboliza a saudade, o amor, o querer bem, a amizade, a
ligação familiar e fraternal.
Era possível adquirir o caderno inteiro ou
folhas avulsas. Parecido com papel pautado, só que menor e mais fino, causava palpitação
ao ser colocado adiante, em cima da mesinha para a escrita. Sabia a quem seria
endereçada, quais assuntos seriam tratados, mas não era tão fácil como se
imagina. Enveredar na intimidade de uma carta é tarefa das mais angustiantes,
principalmente quando nunca se sabe ao certo como começar.
Como é doce recordar: “Oi, tudo bem?...” “Essas
mal traçadas linhas é só pra dizer...”. “Como vai você? Não sei como está
agora, mas eu estou com muita saudade...”. “Que essa cartinha lhe encontre com
saúde e paz. Não olhe pra letra torta nem pra palavra errada. Sabe que só
escrevo assim mesmo, ainda mais no nervosismo que estou agora...”. “Em primeiro
lugar, saiba que te amo muito, muito, muito...”.
O final de qualquer cartinha é sempre mais
entristecido que seu início. E assim por que já chega molhado de lágrimas, sujo
de batom, estremecido pela mão insegura que não consegue conter a aflição. Mas
de qualquer modo, quanto mais simples for a carta, quanto menos despojada for
mais estará recheada de verdades, tão bonitas e tão dolorosas. Ao final, o
adeus sempre vai acompanhado de saudade. E o encontro marcado para muito breve.
Eu já escrevi muitas cartas, também muitas já
me foram entregues. Cartinhas simples, de uma folha só, ou verdadeiros jornais
de quatro, cinco folhas, frente e verso. As cartas geralmente causam
consequências dolorosas. Ao escrever, ao debruçar os sentimentos no papel em
branco, de um lado a pessoa sofre ou se alegra com cada frase escrita. E do
outro, de quem a recebe, o espanto inicial para depois se deixar envolver a
cada letra. Dependendo de quem a enviou e do assunto tratado, talvez o restante
do dia não seja suficiente para tantas releituras.
A cada leitura de uma carta e os olhos logo
testemunham além do escrito. Brilham, se abrem, se fecham, anuviam, se enchem
de lágrimas, se derramam pela face. E o rosto enrubesce, sorri, entristece, e
tudo no passo das mãos sempre trêmulas. E quantas vezes beijos e mais beijos
antes mesmo de toda leitura, afagos e carinhos antes mesmo da saudade e do até
breve final. E uma ligeira transformação é rapidamente avistada. E assim porque
o amor, a saudade e a distância de quem tanto se ama são despertados pelas
palavras e provocam as mais angustiantes sensações.
Para quem não sabe ou nunca se deu ao prazer
de escrever ao menos uma cartinha, certamente não conhece esse prazer único na
vida. Diferentemente da frieza de telefonemas, de emails, de mensagens
virtuais, de toda essa parafernália tecnológica de comunicação, a carta possui
espírito próprio e quase humano. Ela traz consigo a palavra sem disfarce, chega
com calor, com sentimentos, quase como um sussurro ao ouvido. Na carta
avista-se a sensação do outro ao escrever, a sua alegria, a sua dor, a sua lágrima.
E o lábio tão verdadeiro no beijo dado em cada folha. E também o perfume da
pessoa amada.
Por isso não me envie mensagem via
computador, internet, facebook, twitter, whatsapp ou qualquer outro meio
virtual. Além de eu não saber sequer responder uma mensagem recebida, juro que
prefiro a frieza de não responder a ler ou escrever algo sem o calor do
sentimento. Então faça o seguinte: mande uma carta pra mim.
Sim, mande uma carta pra mim. Não há sensação
mais esperançosa que o carteiro chegar e chamar pelo nome com aquele envelope
também tão usado no passado. Vou ler sua carta assim que chegar e certamente
outras tantas vezes no percurso da vida. Eis que as cartas sublimes nos
acompanham sempre. E também responderei. Na cartinha direi tudo, menos adeus.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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