Rangel Alves da Costa*
Chegam-me boas notícias do sertão. São
alentos que caem como bençãos sobre um povo sofrido. Os relatos dizem da
presença do clima diferenciado nesta época do ano e das constantes chuvas que
vêm caindo por lá. Também das paisagens renascidas esverdeadas, das águas
juntadas nos tanques e barragens e das esperanças tantas refletidas nos olhos
sorridentes do sertanejo. Até quando será difícil saber, eis que sertão
anoitece na festa da lua grande e amanhece abraçado pelo sol imenso.
Quando não está chovendo e o sol reaparece
fogoso, novamente o calor se espalha pelos quadrantes. Mas nesta época é
diferente, pois não há calor que não vista um casaco de frio após o entardecer.
Da Boca da Mata em diante, ou da região de Nossa da Glória adentrando o sertão,
a intensidade de frio é certeira entre os meses de julho a setembro. Em
determinados lugares a frieza é tão grande que fogueiras surgem nas noites
sertanejas relembrando o São João. E ao redor famílias inteiras enroladinhas em
cobertores e ainda assim batendo o queixo. Desse jeito já está por lá.
Certamente que os corações sertanejos estão
pulsando mais forte, mais cheios de felicidade. Não era pra ser diferente. Não
há nada mais alentador e comovente que sentir as águas se derramando, enchendo
as fontes e transformando as paisagens. Depois de tanto tempo de estiagem, com
bicho e homem enganando a sede com esmola na lata, com pastagem esturricando e
sem ao menos um restinho de palma para matar a fome do que restou da criação, o
sofrimento é aliviado em cada pingo d’água que cai. O sertanejo sabe que logo
outra seca surgirá devorando tudo, porém se faz de esquecido para celebrar as
grandezas do momento.
O tempo certo do plantio já passou, pois em
começos de abril a terra já deve ser preparada para receber os grãos. Se o
tempo for bom não faltará o milho verde para assar na fogueira junina. Mas tudo
na dependência do clima, das tendências da estação, do surgimento de nuvens
carregadas. E raramente assim acontece. Chega o São João e nem um pé de planta
vingada na terra seca. Por isso mesmo que muitos sertanejos arriscam os grãos
guardados quando chegam as trovoadas típicas desse período. O chão encharcado,
gordo, vai engolindo a semente para talvez germinar. As chuvas não faltam, por
enquanto não.
São as chamadas chuvas de invernada.
Diferentemente do conceito que se dá em outras regiões do país e outras
situações, quando a invernada é tida como local para confinamento do gado de
engorda ou às pastagens surgidas após um período mais chuvoso, o sertanejo a
denomina como a constância de chuvas fora do período esperado. E principalmente
por causa das chuvaradas que chegam tardias, vez que é entre os meses de abril
a maio que os sertanejos esperam as trovoadas.
Acerca da invernada, dizem os livros que é o período
de chuvas prolongadas, contínuas durante a estação que, no Norte e no Nordeste,
é impropriamente chamada de inverno. Ora, mas nada impróprio na concepção
sertaneja, vez que para os que lidam com a terra, que plantam e dela dependem
para sobreviver, “inverno bom” é qualquer estação bem chuvosa, com chuva
continuamente caindo para garantir a terra molhada, e principalmente se for
depois do inverno.
É, pois, no contexto que se apresenta, quando
a chuvarada mais forte já encheu as fontes e agora vai caindo diariamente com
mais ou menos força, que o velho sertanejo chega diante do vizinho de roçado e
diz que “agora invernou de vez”. O outro responde “que a invernança demorou a
chegar, mas chegou”. E olham pra cima e avistam o tempo fechado, horizontes
carregados de nuvens prenhes, uma visão totalmente diferente daquela que estão
acostumados a suportar. E olham ao redor
e divisam a vaquinha de couro molhado e boca cheia, os sons dos bichos enfurnados
nas tocas. E também um cágado surgido da mata para anunciar que logo cairá
trovoada das grandes.
Mas não só no sertão a invernada muda os
cenários e as paisagens. Por todo o estado os sinais de chuvas se anunciam
desde o amanhecer. Todo Sergipe está molhado, chuvoso, sentindo a renovação da
natureza, das pastagens, das plantações. Mas também alagado em muitos lugares,
com rios e córregos transbordando e causando aperreios em muita gente. E um
sofrimento danado àquelas famílias morando em barracos, em casas de barro, em
lugares de constantes riscos de desmoronamentos.
Aracaju sofre sua sina de invernada. Não só
de invernada como de qualquer chuvarada mais forte. Basta chover um pouquinho a
mais que a cidade inteira vira um caos, com ruas intransitáveis, bueiros
transbordando, esquinas que mais parecem açudes. Igualmente os sertanejos, os
administradores municipais também parecem gostar do acúmulo de águas pela
cidade. E por isso nada fazem para resolver os problemas surgidos a cada
pé-d’água. Os mesmos problemas surgem sempre nos mesmos lugares e absolutamente
nada é feito para diminuir os estragos.
E assim a chuva vai caindo por todo lugar.
São águas novas que lavam as ruas, molham a terra, alentam os espíritos, transformam
o clima, causam uma cuia de nostalgia. Tão bom adormecer ouvindo o barulho dos
pingos no telhado, se despejando lá fora. Tão bom acordar com a manhã molhada e
a vida chamando a semear. A cidade apenas sente e sofre aqui e acolá com as
chuvas caídas, mas todo o sertão se encanta e prazerosamente brada pela dádiva
recebida.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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