Rangel Alves da Costa*
Não conheço, nunca vi, não sei da face nem da
feição, mas sei que existe uma menina distante. E uma menina triste, talvez na
janela, talvez mirando o horizonte, trancada no quarto, rabiscando poemas ou riscando
corações e nomes numa vidraça embaçada.
Menina, menina, quem dera eu ter o poder de
colocar um sorriso no teu rosto, um brilho no teu olhar, uma esperança no teu
coração. Quem dera eu levar à tua voz uma bela canção, fazê-la caminhante em
busca de flores do campo, torná-la menos triste e mais feliz.
Não conheço sua rua, seu endereço, seu lugar
de moradia, mas ainda assim envio uma cartinha. Um bilhete, uma mensagem
singela. Ou mesmo um presentinho modesto, uma pequena recordação que te acenda
a chama do prazer pela vida e a certeza que dias melhores virão.
Talvez chegue numa folha de outono, numa
tarde qualquer de ventania e saudade, um tanto entristecida, mas abra e leia
minha cartinha. E dentre muitas coisas ela diz assim: Eis que acordaste para a
tristeza e abriste a janela para a lágrima. E certamente entristeceste e
choraste. Agora olha adiante. Tuas lágrimas molharam as pétalas de todos os
jardins do mundo e agora a primavera te chama a viver!
E no finalzinho da carta ainda encontrará:
Então ouça essa bela canção que chega no sopro da brisa, então ouça essa voz
interior querendo cantar, então siga os teus passos que desejam correr pelos
campos, então atenda tua sede pela água da fonte. E depois. Depois espere a lua
chegar trazendo uma carruagem de estrelas para uma viagem aos sonhos. E enfim
acordar para a felicidade!
Quisera saber onde estás ou o que fazes neste
momento. Não sei se morena, ruiva, negra, loura ou qualquer outro matiz na
pele. Também não sei se de cabelos longos, lisos, encaracolados, curtinhos ou
enroladinhos, nada disso sei. Talvez de boca carnuda, ou não, de pele aveludada
ou no verniz do jambo ensolarado. Nada disso importa. Mas importa que esteja aí
e aceite receber minha oferenda, meu presentinho humilde.
Faço da natureza meus braços e diante de ti
coloco o que nem imagina ser um presente. O pássaro que chega mansinho e próximo
à janela começa a cantar; a borboleta que entra e sai de seu quarto toda
esvoaçante e cheia de cores; o cheiro de lavanda silvestre que parece sair da folhagem
ao redor, eis o que te ofereço ao entardecer. E também o perfume da aragem da
tarde e a melodia ouvida sem saber de onde vem.
Aceite, pois de coração. Uma concha de mar
com segredo guardado e que somente a ti será revelado; um diadema de cipó enlaçado,
enfeitado com pedrinhas de mucunã; uma mochila feita de cordame do mato,
pintada com seiva de urucum e ornada com pena de pavão; uma chinela de couro
cru, entrançada e envernizada pelo sol do sertão; um pedaço de madeira com seu
nome gravado a fogo, um coração desenhado e uma frase de amor.
Mas também uma poesia de Drummond, algo
sublime que te afaste a tristeza e a faça compreender quanto importante é a
força da superação: Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade
está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor
passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua...
Diante de porta encontrará uma cesta com
frutas do mato: araçá, araticum, quixaba, melão coalhada. E também uma garrafa
lacrada com a sabedoria dos tempos. Aí as lições dos antigos, passadas de
geração a geração, vozes que foram guardadas para a posteridade. Mas não abra a
garrafa, nunca. Apenas imagine ouvindo lições como esta: Assim como a porta da
moradia é o coração. Não é qualquer um que deva entrar, senão os que mereçam
ter acolhida.
Com muito mais queria presenteá-la, mas só me
resta um velho candeeiro quase sem pavio. E logo será noite. Abrirei a janela
para mirar a lua. E a minha lua avistada será a mesma lua diante de teus olhos.
Ao sentir sua luz, enxugue as lágrimas e receba um abraço meu. E uma palavra de
ternura, de carinho, de profunda afeição.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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