Rangel Alves da Costa*
A cada final de ano e o que mais se observa
são pessoas forjando um espírito fraternal que verdadeiramente não possuem.
Ao chegar o Natal e a virada do ano, forjam
uma transformação que contradiz a maioria das ações nos meses e dias passados.
São verdadeiros espíritos de porco forjando
fraternidade, amizade, amor. Ninguém é bom ou mal apenas num período do ano,
ninguém se transforma em bondade apenas porque a época é de encontro e comunhão.
A pessoa é o que é. Não há Natal ou passagem
de ano que diminua a frieza num coração que passou o ano inteiro fazendo de
conta que o próximo nem existe. Não há espírito natalino que transforme um
sentimento de pedra numa pétala de flor.
Contudo, nesse período do ano o que mais se
encontra são lobos revestidos de cordeiros. É de se estranhar, de se sentir
assustado quando a arrogância em pessoa vai a sua direção já de braços abertos
e afabilidades. Será que endoidou? Não. Tudo falsidade, tudo fingimento, pois
basta o primeiro encontro em janeiro e é como se a amizade jamais existisse.
Mas muitas pessoas agem assim mesmo. Imaginam
que os outros são esquecidos ou idiotas e querem fazer de uma felicitação
fingida todo o esquecimento do mal praticado ou de desconhecimento ao longo do
ano.
Só mesmo tendo cara de pau para passar onze
meses no ano destratando dos outros, agindo falsa e maldosamente, e
repentinamente chegar com afagos e abraços.
Só mesmo não tendo um pingo de vergonha na
cara para semear tempestades por onde passou, plantar a discórdia por onde
andou, e depois sorrir perante o outro e desejar-lhe paz e prosperidade.
Só mesmo a pessoa sendo falsa consigo mesma
para não reconhecer seus erros e maldades e fazer de conta que as comemorações
de final de ano são instantes ideais para fortalecer os laços de amizade.
Soa como verdadeira piada que muitas destas
abomináveis criaturas vistam roupas brancas desejosas de paz e saiam
distribuindo felicitações na passagem do ano. Não só abraçam euforicamente como
chamam de amigo e lançam palavras adocicadas.
Conheço muitas que sequer um cumprimento se
permitem quando passam. Sempre egoístas e arrogantes, acham que o mundo é só
delas. E depois de quase doze meses de distanciamento, de repente se lançam em
cordialidades e carinhos. Tudo falsidade.
Sei de uma história de alguém que chegou
perante outro e disse, olhando no olho, que não gostava nem um pouco deste, mas
que naquele momento desejava boa sorte porque certamente ele não tinha culpa de
sua estupidez e de sua mania de ficar mal com o mundo. E por isso recebeu um
abraço afetuoso.
Sei de outra história de alguém que próximo à
meia-noite correu para abraçar, beijar e desejar toda sorte do mundo a uma dita
amiga do coração. Mas esta, aproveitando o momento da aproximação, disse
baixinho ao ouvido: Talvez você esteja abraçando a pessoa errada, pois eu sou
aquela que dias atrás você estava jogando à lama. Lembra?
Ao final de cada ano é que se confirma que as
pessoas ruins são as que mais tentam se mostrar o contrário. Por reconhecimento
de culpa e busca de remissão, ou por desencargo de consciência e tentativa de
diminuição dos pecados, mas a verdade é que se encobrem de humanismos e
virtuosidades que até parecem refeitas de suas maldades.
Sei que não adianta, pois as colheitas do ano
novo já foram semeadas ao longo dos meses passados, mas ainda assim pessoas
insensíveis e desumanas vão aos mercados e de lá saem com cestos de flores,
colônias e oferendas de todos os tipos para agradar os seus deuses em busca de
proteção. No entanto, esquecem-se de agir diferente no mundo humano.
E enchem os bolsos e as mãos de sementes,
grãos e patuás. E o coração, o que faz mudar o coração?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Esta é a realidade mais crua e nua que enfrentamos hoje.E, infelizmente, a tendência é piorar.O Papa Francisco pediu aos seus pares que não se sintam tão poderosos e indispensáveis, pois deveriam visitar o cemitério e ver onde estão as pessoas que outrora se sentiam melhores e mais poderosas que as outras. Antes de desejarmos boas festas é preciso fazer um ano proativo e verdadeiramente cristão.Parabéns, belo texto para este momento.
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