Rangel Alves da Costa*
Dezembro já caminha em mais da metade, o
natal se aproxima e a passagem de ano também. O Réveillon passado parece que
foi ontem, e de próxima recordação também a ceia natalina, os festejos do
período, as trocas de presentes, os abraços e os desejos afetuosos a quem se
ama.
Sim, tudo passou rapidamente. Novamente as
luzes de natal brilham no olhar, as nostalgias e as saudades reavivam na
memória, a singeleza do tempo sopra seu perfume para envolver o espírito e
acariciar a alma. E em todos se espera o contentamento pelo caminho percorrido
e pelo que foi alcançado. Mas quantos sofrem a cada final de ano, quantos vivem
verdadeiros martírios de solidão e tristeza.
Soa contrastante que um período tão bonito e
cativante, tão abençoado pelo espírito da cristandade, acabe se tornando em
angústia e sofrimento para muitos. É como se as reflexões provocadas permitam
reabrir baús de cartas envelhecidas, retratos amarelados e escritos que
deveriam permanecer adormecidos. E no pensamento as perdas, as sensações ruins,
as dúvidas sobre a razão da existência.
É triste saber que enquanto a maioria se
prepara para as comemorações, comprando presentes, participando de
confraternizações e brincadeiras de amigos secretos, outros se fecham em seus
quartos e choram copiosamente suas dores, e muitas vezes imaginárias. Mas dores
da alma, não se pode negar. A verdade é que muitos veem o final do ano como um
espelho que vai se quebrando à sua presença, como uma estrada que de repente se
mostra em precipício.
São muitos os relatos de pessoas que parecem
desistir da vida a cada final de ano. E alguns desistem mesmo. Não se deve
negar que mesmo o caráter fraterno, de florescimento e renovação, cada final de
ano significa também uma preparação de passagem. E alguns, por motivos difíceis
de serem conhecidos, simplesmente se negam seguir em frente.
Também não se pode negar a sua feição de
tempo triste, melancólico, angustiante. Um tempo que vai rebuscando idos e
vividos e acaba provocando muitos e intensos sofrimentos. Mas não bastassem as
saudades dos entes queridos, as dores causadas pelas ausências e distâncias,
muitos tornam dezembro um quarto escuro e nele se enclausuram desesperançados
de tudo.
Há um episódio em Os Simpsons que ilustra bem
essa situação. Moe, o dono da taberna, um sujeito solitário e sempre revoltado
com a vida, e por isso mesmo falando constantemente em suicídio, na parte final
do desenho está agachado passando um pano no assoalho quando olha para a porta
do quarto e avista uma corda com laço suicida descendo do telhado, então fala
tristonho: Agora não minha amiga, mas o final do ano já está chegando.
Quer dizer, tem o mês de dezembro como aquele
mais propício para dar cabo à própria vida. Triste que assim aconteça,
contrastando com as alegrias surgidas, as promessas feitas, as esperanças
renovadas, os compromissos de grandes realizações futuras. Contudo, mesmo as
angústias e as alegrias devem ser repensadas em dezembro. Este não é o mês
apenas de festas nem de lágrimas e ameaças interiores, e sim de profunda
reflexão, semeadura e racionalidade.
Talvez dezembro seja como um livro que a
pessoa passe o ano inteiro escrevendo e tenha que dar um desfecho final. Sendo
a sua própria história no ano, o seu percurso, o que a pessoa deverá escrever
como frase final de sua obra? Algo assim: “Enfim cheguei. Cansado da luta, mas
trazendo comigo uma mala cheia de motivos para sorrir”. Ou: “Cheguei, mas a
porta estava fechada. Cansado, sem nada ter conseguido, tenho que novamente
aprender a semear para a vida”.
A verdade é que quem quer seguir adiante não
pode fugir de dezembro. E quem espera outros dezembros já começou a espalhar
seus grãos desde este e outros janeiros passados.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Em dezembro, olhamos quem ainda está em volta da gente. Percebemos quem realmente se importa, e ás vezes, lembranças de como tudo era diferente ficam no caminho, atrapalhando, e nos negando a deixar ver que nada permanece o mesmo - nem mesmo as pessoas. Ou principalmente as pessoas. O mal é querermos tudo como sempre foi. O sofrimento vem da nossa mania de achar que tudo deve permanecer, que devemos ter as pontas de todos os acontecimentos bem firmemente seguras entre nossos dedos ansiosos.
Esse ano eu decidi deixar ir: deixei ir quem se foi porque morreu. Deixei ir quem ainda está vivo mas não quis ficar. Há um corte cicatrizando onde a corda já tinha cavado raízes, mas o peso nas costas está mais leve.
Bem, Feliz Natal!
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