Rangel Alves da
Costa*
Todo mundo
dava ela por sadia, boa do juízo, pessoa normal. Todo mundo não, pois muita
gente, ainda que não falasse mais que o devido, sabia muito bem que ela não
batia bem da bola, era adoidada.
Mas não
doida completamente, daquelas que de vez em quando tem de ser trancada ou, por
conta do desajuizamento, se esconde feito bicho. Era, na verdade, mais maluca
por dentro do que por fora.
Pela
aparência, dificilmente alguém poderia desconfiar. Vestia-se como uma moça
qualquer, falava normalmente, penteava o cabelo, passava batom e usava perfume,
agia sem desvarios.
Mas nem
sempre assim. De vez em quando se transformava totalmente. Amanhecia com
aparência normal e de repente já se mostrava completamente insana. Então
começava a fazer besteiras. E coisas de não se acreditar.
Assanhava
os cabelos, retorcia a face, olhava com olhos de fera, não dizia coisa com
coisa. Mas quando queria dizia cada uma de causar palpitação em quem ouvisse. E
também saía às escondidas, ia encontrar com desconhecidos, sumia por dias e não
dava nenhuma satisfação à família.
Ora, mas
de que doida estou falando. De todas as doidas, de todas as doidices, de todas
as maluquices da vida. Porque insana, varrida, de pedra, não é só aquela que
tem problemas psiquiátricos, mas também aquela cujas ações são ainda piores.
Diante da
doida social, familiar, a desmiolada ou maluca do juízo é muito fácil de
cuidar. Aquela faz besteira porque quer, pratica atos insanos por conta e
vontade própria, e esta, coitada, é apenas uma vítima da mudança da lua, por
exemplo.
A doida
que com premeditação é muito mais perigosa que a outra vítima de um estado
mental desequilibrado. Esta, naqueles instantes de crise, tem pouca ou nenhuma
consciência do que faz. Desconhece a família ou um amigo porque sua realidade é
completamente confundida pela insanidade.
Mas a
outra doida não, a outra louca não. Age por sem-vergonhice pura, comete
insanidades porque deixa se envolver com o que não presta. Ou continua no seu
hospício porque talvez ache bonito destruir-se a si própria e à família.
Que bom se
a louca consciente se mirasse na loucura da doida psicótica. O comportamento
desta, assim que a crise lhe acomete com mais voracidade, é perfeitamente
compreendido por todos que a conhece. Diferentemente ocorre com a doida social.
Esta causa uma profunda estranheza, e sempre acompanhada de revolta e
indignação.
A doidice
da verdadeira doida é permeada pelas mesmas atitudes, com mais ou menos
afetação. Sente a lua cheia chegar, se enche de pavor, passa de um estado de
êxtase para um de silêncio e retraimento. Mas em seguida passa a fazer o que um
afetado mental faz.
Grita
chamando a lua, quer voar até lá, se põe à janela em agonia. Ora está
demasiadamente sorridente ora está em prantos; provoca diálogos desconexos
consigo mesma; se veste e se desnuda, se pinta, se lambuza, tem um brilho
diferente no olhar.
Senta na
pedra quente e ali fica por muito tempo; faz careta pra quem passar, enche as
mãos de pedras ameaçadoras; não sente sono nem fome. De vez em quando experimenta
um pouco de terra. É rainha e tem um castelo, e valseia pelo imenso salão da
impiedosa loucura.
Mas a
outra, como afirmado, pauta sua loucura por desvarios na vida, por atitudes
reprováveis para uma pessoa consciente, por ilusões e fantasias que acabam
colocando em perigo sua própria condição humana.
Esta é
louca, completamente louca, mas sempre louca para fazer o que não presta, para
viver em más companhias, para viver no passo das drogas, para se esbaldar de
balada em balada, para ser de qualquer um, para enlamear sua idade e seu
futuro. Mas o pior é que também vai enlouquecendo a família.
Doida por
doida, só há uma doidice que justifique a distorção comportamental. Uma ama e
teme a lua, a outra se entrega aos braços da rua. Só que uma é filha desse
inconsciente mistério; enquanto a outra é filha do seu próprio erro.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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