SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 10 de setembro de 2013

A DOIDA


Rangel Alves da Costa*


Todo mundo dava ela por sadia, boa do juízo, pessoa normal. Todo mundo não, pois muita gente, ainda que não falasse mais que o devido, sabia muito bem que ela não batia bem da bola, era adoidada.
Mas não doida completamente, daquelas que de vez em quando tem de ser trancada ou, por conta do desajuizamento, se esconde feito bicho. Era, na verdade, mais maluca por dentro do que por fora.
Pela aparência, dificilmente alguém poderia desconfiar. Vestia-se como uma moça qualquer, falava normalmente, penteava o cabelo, passava batom e usava perfume, agia sem desvarios.
Mas nem sempre assim. De vez em quando se transformava totalmente. Amanhecia com aparência normal e de repente já se mostrava completamente insana. Então começava a fazer besteiras. E coisas de não se acreditar.
Assanhava os cabelos, retorcia a face, olhava com olhos de fera, não dizia coisa com coisa. Mas quando queria dizia cada uma de causar palpitação em quem ouvisse. E também saía às escondidas, ia encontrar com desconhecidos, sumia por dias e não dava nenhuma satisfação à família.
Ora, mas de que doida estou falando. De todas as doidas, de todas as doidices, de todas as maluquices da vida. Porque insana, varrida, de pedra, não é só aquela que tem problemas psiquiátricos, mas também aquela cujas ações são ainda piores.
Diante da doida social, familiar, a desmiolada ou maluca do juízo é muito fácil de cuidar. Aquela faz besteira porque quer, pratica atos insanos por conta e vontade própria, e esta, coitada, é apenas uma vítima da mudança da lua, por exemplo.
A doida que com premeditação é muito mais perigosa que a outra vítima de um estado mental desequilibrado. Esta, naqueles instantes de crise, tem pouca ou nenhuma consciência do que faz. Desconhece a família ou um amigo porque sua realidade é completamente confundida pela insanidade.
Mas a outra doida não, a outra louca não. Age por sem-vergonhice pura, comete insanidades porque deixa se envolver com o que não presta. Ou continua no seu hospício porque talvez ache bonito destruir-se a si própria e à família.
Que bom se a louca consciente se mirasse na loucura da doida psicótica. O comportamento desta, assim que a crise lhe acomete com mais voracidade, é perfeitamente compreendido por todos que a conhece. Diferentemente ocorre com a doida social. Esta causa uma profunda estranheza, e sempre acompanhada de revolta e indignação.
A doidice da verdadeira doida é permeada pelas mesmas atitudes, com mais ou menos afetação. Sente a lua cheia chegar, se enche de pavor, passa de um estado de êxtase para um de silêncio e retraimento. Mas em seguida passa a fazer o que um afetado mental faz.
Grita chamando a lua, quer voar até lá, se põe à janela em agonia. Ora está demasiadamente sorridente ora está em prantos; provoca diálogos desconexos consigo mesma; se veste e se desnuda, se pinta, se lambuza, tem um brilho diferente no olhar.
Senta na pedra quente e ali fica por muito tempo; faz careta pra quem passar, enche as mãos de pedras ameaçadoras; não sente sono nem fome. De vez em quando experimenta um pouco de terra. É rainha e tem um castelo, e valseia pelo imenso salão da impiedosa loucura.
Mas a outra, como afirmado, pauta sua loucura por desvarios na vida, por atitudes reprováveis para uma pessoa consciente, por ilusões e fantasias que acabam colocando em perigo sua própria condição humana.
Esta é louca, completamente louca, mas sempre louca para fazer o que não presta, para viver em más companhias, para viver no passo das drogas, para se esbaldar de balada em balada, para ser de qualquer um, para enlamear sua idade e seu futuro. Mas o pior é que também vai enlouquecendo a família.
Doida por doida, só há uma doidice que justifique a distorção comportamental. Uma ama e teme a lua, a outra se entrega aos braços da rua. Só que uma é filha desse inconsciente mistério; enquanto a outra é filha do seu próprio erro.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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