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sábado, 28 de setembro de 2013

A HISTÓRIA DO RAPAZOTE QUE FORÇADAMENTE CONTRAIU MATRIMÔNIO COM UMA JUMENTA (OU UMA HISTÓRIA MAIS ESCABROSA QUE ESSA)


Rangel Alves da Costa*


Nem olhe de banda que aconteceu de verdade. Já faz muito tempo, mas aconteceu. E lá no sertão onde tudo pode acontecer. Inclusive nadica de nada. Coisa do passado, mas até hoje se comenta nas rodas de fim de tarde, nos proseados matutos e nas biroscas em fins de feira, a triste e inusitada história do rapazote que forçadamente contraiu matrimônio com uma jumenta.
Tudo para ser dentro da normalidade daquele costume mais antigo e que se comenta existir até hoje, vez por outra um meninote ou até mesmo homem feito ser surpreendido pelos quintais, nas matarias ou atrás dos tufos escondidos, se roçando cheio de amores no traseiro de jumentinha nova e fogosa. Em diversas ocasiões o dono do animal conseguia o devido flagrante e o animalesco amante corria de calça na mão e se arrebentando por cima de tudo.
Havia o espanto e a vergonha pela conversa espalhada, mas nada de se estranhar que fosse assim. Hoje não, pois a mulherada não está mais tão difícil como antigamente e em cada canto que se vá há um rabo de saia mostrando a calcinha. Antigamente era tudo mais difícil, mais exigente e de dificultosa realização. Somente os velhos e doentios cabarés para salvar a exasperação da rapaziada.
E quando nem brega tinha não havia outro jeito mesmo. Quem pagava o pato era mesmo a jumentinha que pastava despreocupada. E, diga-se de passagem, que também tanto apreciava um carinho por trás. Quando esquece o coice e levanta o rabo, então é certeza de que também já está cheia de desavergonhadas intenções. Já ouvi falar de verdadeiras paixões entre humanos e todo tipo de bicho, e sempre me perguntei quem era o irracional nessa safadeza toda.
O problema é que o rapazote foi dividir sua volúpia logo com a jumenta mais apreciada pelo poderoso senhor. E tal fato, segundo contam até hoje e está registrado em livretos de cordel e nos repentes populares, causou um bafafá tão danado que mexeu com toda a sociedade interiorana de então. Os motivos serão conhecidos mais adiante.  
E assim aconteceu. Já num tempo de quebra do ranço coronelista, mas ainda os grandes latifundiários se mantendo como senhores absolutos das classes empobrecidas e a eles submetidas, existia um senhor de grande poder e riqueza nos sertões nordestinos do deus dará. Dono de terras infindas e boiadas e mais boiadas, mantinha verdadeiro apego aos seus rebanhos e todos os tipos de animais ali existentes.
Tanto gostava do garrote puro sangue como do papagaio falador; a mesma adoração que tinha por seu famoso alazão a tinha com relação ao cachorro. Mas eis que chegou aos seus ouvidos - e certamente fruto das fofocas premeditadas para produzir as mais nefastas consequências - que um rapazote, quase menino ainda, filho de um de seus empregados, havia sido avistado mantendo relação sexual com uma de suas jumentas.
O homem prontamente quis saber qual das jumentas havia sido seduzida pelo rapazote, e começou a soltar fogo pelas fuças quando soube que o conluio safadista havia sido com a jumenta parda, aquela mesma que ele tanta gostava. Não se sabe bem o porquê, mas o mundo quase acaba neste momento, considerando as atitudes tomadas pelo poderoso. Mandou selar seu alazão e subiu num pulo só, seguindo veloz em direção à residência de seu empregado, que ficava ali mesmo nas suas terras.
Pulou do animal e foi entrando birosca adentro e certamente passaria por cima se alguém estivesse no seu caminho. Gritou pelo dono da casa e uma voz foi ouvida lá do quintal. Bastou dizer quem estava ali para que o outro aparecesse num repente. Diante do temido patrão, nervoso e cabisbaixo, o coitado do homem quase dá um treco quando ouviu o inesperado:
Sabia que seu fio ainda nem deixou o cheiro de mijo e já vai casar, e com uma jumenta? Apois fique sabeno que inda hoje ele vai casar com uma jumenta minha que ele deflorou. Percure ele e vão junto até o casarão. O casamento vai ser lá na maiada mermo. Se ele teve a ousadia de bolinar nas vergonha de quem tava quieta, desvirginando a bichinha inocente, entonce agora vai ter todo tempo do mundo pá ficar no bem bom. Nem pense em deixar de ir. Do crontaro já sabe as consequença.
No fim da tarde desse dia o rapazote já estava devidamente casado com a jumenta. E por ordem do patrão, os dois foram devidamente encaminhados para um curral afastado. Mas quando já iam sendo levados à força, eis que o poderoso senhor irrompe em prantos, gritando de não acabar mais e pedindo para que desfizessem tudo e trouxessem aquela jumentinha pra perto dele.
E, talvez tomado pelo inexplicável das estranhas paixões humanas guardadas a sete chaves, acabou confessando que a jumentinha desde algum tempo era sua amante. E que não suportaria ver aquele pelo delicado sendo acariciado por outra criatura. Solteirão, e para espanto e deleite da sociedade conservadora de então, mandou imediatamente providenciar um pequeno reservado com mataria bem ao lado do seu quarto.
E, segundo dizem, foram felizes para sempre.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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