Rangel Alves da
Costa*
Nem olhe
de banda que aconteceu de verdade. Já faz muito tempo, mas aconteceu. E lá no
sertão onde tudo pode acontecer. Inclusive nadica de nada. Coisa do passado,
mas até hoje se comenta nas rodas de fim de tarde, nos proseados matutos e nas
biroscas em fins de feira, a triste e inusitada história do rapazote que
forçadamente contraiu matrimônio com uma jumenta.
Tudo para
ser dentro da normalidade daquele costume mais antigo e que se comenta existir
até hoje, vez por outra um meninote ou até mesmo homem feito ser surpreendido
pelos quintais, nas matarias ou atrás dos tufos escondidos, se roçando cheio de
amores no traseiro de jumentinha nova e fogosa. Em diversas ocasiões o dono do
animal conseguia o devido flagrante e o animalesco amante corria de calça na
mão e se arrebentando por cima de tudo.
Havia o
espanto e a vergonha pela conversa espalhada, mas nada de se estranhar que
fosse assim. Hoje não, pois a mulherada não está mais tão difícil como
antigamente e em cada canto que se vá há um rabo de saia mostrando a calcinha.
Antigamente era tudo mais difícil, mais exigente e de dificultosa realização. Somente
os velhos e doentios cabarés para salvar a exasperação da rapaziada.
E quando
nem brega tinha não havia outro jeito mesmo. Quem pagava o pato era mesmo a
jumentinha que pastava despreocupada. E, diga-se de passagem, que também tanto
apreciava um carinho por trás. Quando esquece o coice e levanta o rabo, então é
certeza de que também já está cheia de desavergonhadas intenções. Já ouvi falar
de verdadeiras paixões entre humanos e todo tipo de bicho, e sempre me
perguntei quem era o irracional nessa safadeza toda.
O problema
é que o rapazote foi dividir sua volúpia logo com a jumenta mais apreciada pelo
poderoso senhor. E tal fato, segundo contam até hoje e está registrado em
livretos de cordel e nos repentes populares, causou um bafafá tão danado que
mexeu com toda a sociedade interiorana de então. Os motivos serão conhecidos
mais adiante.
E assim
aconteceu. Já num tempo de quebra do ranço coronelista, mas ainda os grandes
latifundiários se mantendo como senhores absolutos das classes empobrecidas e a
eles submetidas, existia um senhor de grande poder e riqueza nos sertões
nordestinos do deus dará. Dono de terras infindas e boiadas e mais boiadas,
mantinha verdadeiro apego aos seus rebanhos e todos os tipos de animais ali
existentes.
Tanto
gostava do garrote puro sangue como do papagaio falador; a mesma adoração que tinha
por seu famoso alazão a tinha com relação ao cachorro. Mas eis que chegou aos
seus ouvidos - e certamente fruto das fofocas premeditadas para produzir as
mais nefastas consequências - que um rapazote, quase menino ainda, filho de um
de seus empregados, havia sido avistado mantendo relação sexual com uma de suas
jumentas.
O homem
prontamente quis saber qual das jumentas havia sido seduzida pelo rapazote, e
começou a soltar fogo pelas fuças quando soube que o conluio safadista havia
sido com a jumenta parda, aquela mesma que ele tanta gostava. Não se sabe bem o
porquê, mas o mundo quase acaba neste momento, considerando as atitudes tomadas
pelo poderoso. Mandou selar seu alazão e subiu num pulo só, seguindo veloz em
direção à residência de seu empregado, que ficava ali mesmo nas suas terras.
Pulou do
animal e foi entrando birosca adentro e certamente passaria por cima se alguém
estivesse no seu caminho. Gritou pelo dono da casa e uma voz foi ouvida lá do
quintal. Bastou dizer quem estava ali para que o outro aparecesse num repente.
Diante do temido patrão, nervoso e cabisbaixo, o coitado do homem quase dá um
treco quando ouviu o inesperado:
Sabia que
seu fio ainda nem deixou o cheiro de mijo e já vai casar, e com uma jumenta?
Apois fique sabeno que inda hoje ele vai casar com uma jumenta minha que ele
deflorou. Percure ele e vão junto até o casarão. O casamento vai ser lá na
maiada mermo. Se ele teve a ousadia de bolinar nas vergonha de quem tava
quieta, desvirginando a bichinha inocente, entonce agora vai ter todo tempo do
mundo pá ficar no bem bom. Nem pense em deixar de ir. Do crontaro já sabe as
consequença.
No fim da
tarde desse dia o rapazote já estava devidamente casado com a jumenta. E por
ordem do patrão, os dois foram devidamente encaminhados para um curral
afastado. Mas quando já iam sendo levados à força, eis que o poderoso senhor
irrompe em prantos, gritando de não acabar mais e pedindo para que desfizessem
tudo e trouxessem aquela jumentinha pra perto dele.
E, talvez
tomado pelo inexplicável das estranhas paixões humanas guardadas a sete chaves,
acabou confessando que a jumentinha desde algum tempo era sua amante. E que não
suportaria ver aquele pelo delicado sendo acariciado por outra criatura.
Solteirão, e para espanto e deleite da sociedade conservadora de então, mandou
imediatamente providenciar um pequeno reservado com mataria bem ao lado do seu
quarto.
E, segundo
dizem, foram felizes para sempre.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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