Rangel Alves da
Costa*
Hoje é
sábado. Dia de sair, de passear, de rever amigos, de buscar afazeres que façam
esquecer um pouco dos tédios acumulados durante a semana. Muitos gostam dos
barzinhos, da conversa descontraída acompanhada de uma bebida e algum petisco.
Outros preferem os shoppings, a orla praieira ou mesmo viajar.
Já é noite
fechada, já passando das sete, e a esta hora os bares estão repletos, as
curtições se espalham, as descontrações se alastram. E muitos ainda terão muito
a comemorar e fazer no final da noite e varando a madrugada. Apenas imagino que
tudo seja e esteja realmente assim, pois me acostumei a viver distante disso
tudo.
Mesmo
quando mais jovem e quando era apreciador contumaz de cerveja e música de
barzinho, jamais fui além do instante certo de voltar pra casa. Nunca
esquecendo as horas e adentrando a madrugada de copo à mão e muito menos bailando
passos pelos salões. Também nunca dancei. Nunca aprendi a dançar. Nem valsa.
Hoje nem
mais cerveja nem música de barzinho. E infelizmente. Infelizmente porque poucas
coisas na vida são tão admiráveis quanto bebericar uma cervejinha gelada
ouvindo um violão e uma voz cantando alguma velha canção dos meninos do clube
da esquina, dos antigos festivais, do nosso autêntico cancioneiro.
Nem mesmo
em casa tenho o prazer de saborear um véu de noiva ou um tinto de antiga safra.
Haveria de ser assim, então que seja. Hoje tenho de me contentar com repetidas
doses de café forte e sem açúcar. A primeira dose por volta das três da manhã,
pois antes disso acordo todos os dias. Coloco a água no fogo e depois derramo
na pequena xícara com duas colheradas de café solúvel.
Enquanto
bebo minha primeira dose de café na madrugada, certamente muitos outros ainda
estão de copos cheios pelos bares e ambientes da vida. Enquanto ainda curtem as
proezas do final de semana, eis que retomo meus afazeres da noite passada, pois
as palavras também cansam e adormecem e precisam repousar. E não demora muito e
desperto cada palavra adormecida num verso, numa crônica, num texto qualquer.
E é isso
que faço agora. Simplesmente dando continuidade às palavras adormecidas de
ontem, numa incansável busca de dar nexo e sentido às situações escritas e
reescritas. E assim percorro essa estrada até as dez ou onze da noite, para
depois tudo adormecer e recomeçar novamente. Enquanto estou aqui e daqui
tomarei o caminho da minha rede de dormir, eis que a vida se faz lá fora e mais
adiante com outra vivacidade muito diferente.
Mas jamais
trocarei meus instantes noturnos por aqueles outros, ainda que jamais diga a
qualquer pessoa que prefira a solidão da escrita, os instantes solitários do
texto e do contexto, a sair, beber, brincar, festejar com responsabilidade o
que a vida de melhor possa oferecer. E isto porque sei de mim, mas não sei como
os outros possam suportar a solidão da noite diante apenas de palavras e
pensamentos.
O silêncio
ronda pelos arredores. Os finais de semana possuem a proeza de fazer o silêncio
ser ouvido. Infelizmente não chove, pois gosto desse momento acompanhado do murmurejar
das águas se derramando. Momento único para ouvir Tchaikovsky, Offenbach e
tantos outros mestres da música clássica. Por isso ouço apenas o teclado
ofegante e os passos da minha mente procurando fugir dos espinhos da estrada.
Solitário
e só, assim é a minha noite nessa noite de sábado, como geralmente acontece em
todas as noites de todos os outros dias. Fecho a porta atrás de mim e só me
permito falar com o que escrevo. Muitas vezes provoco e exijo silêncio total,
mas sou confrontado pelas palavras, pelo que foi escrito. Um verso
repentinamente grita, um personagem reclama de sua situação na história, outro
me chega choroso e diz que já sabe o seu fim: viver esquecido e sufocado nas
páginas de um livro numa estante qualquer.
Prometo
libertá-lo desde já, retirando-o da história. Mas ele diz que não. Sua sina é
ser como o autor: solitário e só.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário