Rangel Alves da
Costa*
Minha
idade é a idade do tempo. E tempo presente e tempo passado, de agora até onde
avisto aquilo que existiu um dia. Mas também tudo aquilo que mesmo não avistado
me é trazido pelo conhecimento, pela busca incessante de conhecer e reencontrar
o passado.
Por isso mesmo
que sou tão novo e tão antigo. E tão próximo e tão distante. Sou de muitas
verdades presentes e também de infinitas recordações. Contudo, quanto mais olho
pra trás e procuro encontrar um fato ou lição mais me vejo caminhando por
estradas ainda mais envelhecidas e empoeiradas.
Tudo me
vem num instigante entrelaçamento. Se for atrás de uma linhagem familiar, eis
que não me contento com o encontrado e sigo em busca das raízes primeiras; se
olho para uma velha fotografia na parede, logo sou levado a querer saber mais
sobre a pessoa, seu passado, sua existência, e também seus laços familiares.
Tudo num
só percurso. A fuligem de agora, a pó de instantes atrás, a poeira de outros
instantes, o grão de outro momento e o que se transformou para que surgisse
esse grão. Daí o calcário, daí a rocha, o granito, a pedra. O que foi e no que
se transformou, e também as mudanças nas transformações para, enfim, avistar o
momento: a fuligem como o que restou da rocha.
Ora, nada
mais que espelho da vida. Nada somos senão pelo que nos transformou. Somos
apenas a feição de momento de aparências outras, mais antigas e que foram
transformadas ao sabor dos dias, da vivência, dos tempos. Por isso que ainda
somos tão crianças. E por isso também que somos o que sequer conhecemos, pois
fruto de uma gênese maior de raiz a raiz. De lá até aqui, até o momento, é o
que somos.
Sou, pois,
o agora e o ontem, a impensável distância. Por ser presente e passado, por
viver carregando, ainda que imperceptivelmente, as marcas passadas, logo sou
eterno pela raiz primeira que me fez brotar. E basta a certeza de ser tão
distante e profundo para que jamais me contente em conhecer apenas o que ache
que pertença ao meu tempo.
Quero e
preciso conhecer tudo. Se quanto mais cavando mais significado possa encontrar
na areia, então que eu prossiga sempre adiante, pois não me canso de cavar mais
fundo se sei que posso encontrar baús repletos de histórias e vidas guardadas
como relíquias. E que belo relicário é aquele que se nos apresenta como
fundamento maior da própria existência.
Desse
modo, nunca há uma fronteira delimitada para o que preciso encontrar. Não que
eu não saiba o que realmente pretendo obter, mas pelo simples fato de jamais me
contentar apenas com o que avisto, encontro ou sei. Quero sempre mais. Quero as
faces da feição, o verso da aparência, as sombras da imagem, tudo que está ao
redor e além, mesmo muito distante.
Assim, o
que estou já não é, pois noutro lugar. Onde talvez esteja já está buscando outro
lugar. Quando penso ter encontrado tudo, eis que me surgem as indagações e
tantas vezes eu tenho de refazer todos os passos. E assim me sinto um baú
antigo numa estante nova, uma chave enferrujada numa janela aberta.
E todo o
encontrado, seja no baú ou na experiência do instante, cuidadosamente guardo no
meu relicário. E são tantas as relíquias, preciosas memórias, raízes ainda
presentes, experiências, objetos, escritos e pequeninos acontecimentos
cotidianos, que de repente penso não haver mais lugar para o que alcançarei
amanhã.
E amanhã o
retorno. E depois e depois o olhar voltado ao que existiu agora. Talvez amanhã enxerguemos
mais o agora do que o instante vivenciado. Porque nos esquecemos de fazer a
hora. E porque gostamos de sentir saudades pelo que de uma forma diferente
deveria ser feito.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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