Rangel Alves da
Costa*
As grandes
árvores não existem mais. Ao menos no sertão elas não existem mais. O sol de
todas as horas, principalmente dos momentos mais escaldantes e calorentos,
desce abrasador e sem ter um sombreado que acolha um proseado de compadres,
amigos e velhos conhecidos. O bicho que ia chegando mansinho, todo esperançoso
de um cochilo reparador, agora tem de ruminar seu desalento.
Tardes sertanejas
e que tão belas tardes de miragens surgindo no olhar. E nestes momentos nada
melhor que a acolhida de um sombreado no meio do tempo. Enquanto a fornalha
aquece o mundo ao redor, a tudo abrasa e desanima, embaixo da copa e indo até
onde a sombra alcança, eis que as folhagens se deitam como sombreiros balouçantes
para animar o homem diante do seu mundo.
Não há abanador
ou lugar protegido da casa que traga conforto igual a estar debaixo de uma
árvore frondosa, de uma figueira antiga, larga, imensa, se mantendo sempre
imponente pelos arredores das moradias. Amendoeira de folhas largas, umbuzeiros
baixos e aconchegantes, suntuosos flamboyants sertanejos que convidam o homem para
o diálogo despreocupado ou para o descanso depois da labuta.
O
tamarineiro se eleva esguio e depois permite que os seus galhos se abram em
braços imensos e em cujos dedos se sobressaem as tantas folhas e os tantos
frutos. A baraúna grande, de tronco reto e largo, parece nunca querer ficar
distanciada da terra, pois suas folhagens descem quase rente ao chão. O
umbuzeiro, também conhecido como árvore sagrada do sertão, é a grande amiga do
sertanejo nos tempos de sequidão, pois local de repouso e repasto para bicho e
gente.
As
amendoeiras eram mais cortejadas pelas praças, nos centros urbanos. Muitas
floresciam no final do inverno e na despedida espalhavam uma imensa colcha de
folhas secas pelos canteiros, sendo recolhidas e servindo de caderno de poesia
para o sertanejo apaixonado pela linda mocinha à janela. As folhagens grandes,
de um marrom envernizado pelo fim de seus dias, formavam um lençol que se movia
pelo chão ao sabor da ventania.
Vento
quente, acompanhado de sopro também calorento, mas somente até o sol fragilizar
suas brasas. Quando o fogaréu lá de cima amainava, quando a lâmina acesa
desbotava sua cor, então o sombreado se alongava e uma aragem boa começava a
chegar pelos lados das montanhas agrestinas. E trazendo sempre um perfume de
esperança por dias melhores.
Verdadeiramente,
não havia terreiro digno de ser sertanejo se não houvesse ao menos uma grande
árvore enfeitando a paisagem árida. Tantas vezes, em meio ao desolamento, ao
cinzento das pastagens e a murcheza da mataria, somente a grande árvore para
preservar a esperança do homem. Pela cor, fragilidade ou balanço das folhagens,
cada um sabia o que devia esperar naquele e nos dias seguintes. E quando a
árvore entristecia, então era um deus nos acuda.
Tempos
outros como se fossem agora, mas tudo diferente. Ali a velha senhora manda
colocar sua cadeira de balanço e depois começa a chorar de saudade, lembrando
os quadrantes idos, sentindo vozes no vento e feições pelos varais que valsam
pelos quintais. O velho caboclo senta no tronco ali fincado a vida inteira,
lança mão da palha seca de milho e do fumo já desfiado, ajeita tudo no dedo,
fecha o cigarro nos beiços e depois se põe a mirar aquela imensidão. Só Deus
sabe o que lhe surge à mente.
O vizinho
aproveita e vai se achegando para uma pergunta ou notícia. E da palavra
primeira chega uma boiada de coisas interessantes. Falam da seca que não vai
demorar a chegar, do compadre adiante que teve de vender sua melhor cria, do
sumiço de vez das frutas próprias da mataria, da carestia que toma conta de
tudo. E chega mais um falando mal do político, da política e de um bando de
desavergonhados. Então a conversa desanda de não acabar mais.
E logo
mais as nuvens escondendo o sol por trás de suas asas e rumando além da serra.
O tempo já está mais ameno, um sopro de aragem começa a chegar e as sombras da
noite logo estarão por ali. A velha vai preparar seu cuscuz para comer com
tripa de porco ou ovos de capoeira; o cheiro forte e encorpado do café já
começa a se espalhar pelo ar; ouve-se um grito pra trazer lenha, e outro pra
não se esquecer de tirar os panos do varal. E aquele anel dourado que surge é o
que chamam de lua. Só que ali é diferente, maior, mais bonita, pois sertaneja.
Mas tudo
conversa de tempo, de um tempo saudoso do próprio tempo passado. Idos das
grandes árvores pelas matarias, quintais, jardins e defronte aos casebres e
casas mais requintadas. Um tempo onde as grandes árvores eram amigas do homem,
lhes dava sombra e refrescância, frutos e aconchegos. Portentosas espécies que
acolhiam viajantes, comboeiros, vaqueiros, bandos cangaceiros e volantes, e em
cujo tronco o apaixonado procurava eternizar sua paixão. Mas onde estão agora as
grandes árvores?
As grandes
árvores, suas tardes e sombreados, agora restam somente no pensamento. Ou
naquela moldura na parede da memória. E como dói, como diria Drummond.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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