Rangel Alves da
Costa*
Não
adianta pretender esquecer ou mudar. A bolsa de viagem, de caçada ou de
trabalho do sertanejo sempre foi e sempre será o aió, o alforje e o embornal.
Não do sertanejo tomado pelos modismos recentes e suas sacolas, pastas e
mochilas requintadas, mas sim daquele que tem sua bolsa encourada e tingida de
sol e suor como verdadeiro instrumento de trabalho.
Com
destino à mente, ou mesmo diante de um fato inesperado e urgente, lá se vai o
caboclo lançando mão de sua companheira de viagem. Envelhecida, carcomida pelo
tempo, já de cor muito além do barro queimado, mas sempre firme nas suas
costuras e fechamentos. Ou ainda de cipó trançado com maestria artesanal, cujo
tempo vai amolecendo as tiras e nós, mas sem diminuir sua resistência.
Quando
produzidas em larga escala e comercializadas pelos quatro cantos, tais mochilas
sertanejas possuem a mesma serventia para o viajante, mas não a mesma durabilidade.
Esta só é conseguida quando cada peça é feita artesanalmente, uma a uma, na
dureza dos dias, manualmente cortadas, costuradas ou enlaçadas, segredos
maiores do velho coureiro ou do enlaçador de cipós.
Depois de
dias e mais dias, assim que o velho artesão dá como pronta sua encomenda, a
primeira coisa que se observa é o cheiro forte no alforje ou no embornal.
Aliás, todo instrumento de couro exala um cheiro intenso quando novo. Precisa,
pois, ser batizado pelo sol, receber uns solavancos e sofrer as mesmas agruras
sofridas pelo homem. Depois disso fica macio, de cor envernizada, humilde e
singelo como o filho da terra onde terá serventia.
O mesmo
ocorre com o aió, mas não pelo cheiro, e sim pelo trabalho que dá. Feito de
caroá, uma planta da família das bromélias, vai surgindo do cuidadoso trabalho
do artesão para cortar as folhas, retirar toda a pele e ir repuxando as longas
e resistentes fibras. Quando isoladas das folhas, as fibras passam a se
assemelhar muito mais a fiapos esbranquiçados, que unidos vão formando
verdadeiros cordames. Do entrelaçamento dessas cordas finas é que vai surgindo
o aió.
Sempre
colocado num armador do canto da casa, de modo a ser logo alcançado quando já
próximo da saída para o afazer cotidiano, o aió, o alforje ou o embornal passa a
ter quase a mesma utilidade daqueles tão conhecidos instrumentos sertanejos.
Presente no homem como o gibão, o chapéu de couro, a perneira, a taca de couro
cru, a sela, o cantil. E assume tanta importância porque dentro dele estará
tudo que necessitar nas horas que a fome apertar ou quiser lançar mão de um
cigarro de palha, de uma espoleta ou de qualquer outra coisa de pequeno porte.
Por mais
que chamem de embornal aquela sacola de muitos bolsos e trancas que os jovens
de hoje andam carregando às costas, geralmente de pano ou sintética, em nada se
parece com aquele outro, obra artesanal e autenticamente sertaneja. Este é traçado
no couro curtido debaixo do sol, com enfeites à moda cangaceira ou não e feito
para a eternidade. Embornais passam de geração a geração e, além da história
familiar, continuam carregando dentro de si as necessidades dos novos tempos.
Tanto o
aió como embornal e o alforje surgiram da necessidade de o sertanejo obter mais
facilidade de alcance daqueles objetos de menor porte que faziam parte do seu
cotidiano além da moradia. Por mais que levasse consigo a cartucheira, o cantil,
o canivete de cinta, precisava de uma bolsa que fosse espaçosa e resistente para
as durezas da lide. Bastava arrumar lá dentro a carne seca com farinha, o fumo
e a garrafa de pinga, o frasco com espoleta e tudo que fosse de serventia,
deitar nas costas ou no lombo do animal e seguir adiante.
Luiz
Gonzaga, na música “Pau de Arara” fala de outro objeto dessa mesma família
sertaneja: o matulão. Um pouco maior que os citados, a serventia desse
utilitário de retirantes é descrita com precisão: “Quando eu vim do sertão, seu
moço, do meu Bodocó/ A maleta era um saco e o cadeado era um nó/ Só trazia a
coragem e a cara, viajando num pau de arara/ Eu penei, mas aqui cheguei/ Trouxe
um triângulo no matulão/ Trouxe um gonguê no matulão/ Trouxe um zabumba dentro
do matulão/ Xote, maracatu e baião, tudo isso eu trouxe no meu matulão...”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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