Rangel Alves da
Costa*
Não me
parece acertada essa tão propalada política de interiorização das academias
literárias, ao menos da forma como está sendo estrategicamente incentivada pela
Academia Sergipana de Letras - ASL. E assim afirmo porque pressinto outros
objetivos - menos acadêmicos - por trás de toda essa preocupação de fazer com
que os literatos sejam reconhecidos dentro de seus próprios limites regionais.
A
princípio, em termos de produção intelectual, vejo como totalmente descabido
utilizar-se de terminologias como a tal interiorização. A outra conclusão não é
possível chegar senão a de imposição de distanciamento de um centro produtor
maior. Desse modo, a força da intelectualidade aracajuana seria acolhida pela
ASL, enquanto outros, perifericamente, seriam reconhecidos nas suas distâncias.
E a
cultura, a literatura, o saber, o conhecimento, a pesquisa e a produção
intelectual, possuem centros e margens ou devem confluir ao âmbito de uma
cultura maior? A produção interiorana é diferente do fazer aracajuano,
considerando-se que aqui está o centro e ali a margem, ou o interior? Ademais, o
advento da interiorização logo passa a pressupor que a ASL tornou-se numa
espécie de Academia Aracajuana de Letras, vez que as letras sergipanas perdem
sua contextualização.
A
interiorização é necessária sim, mas não como estratégia criada dentro dos
salões da própria ASL. Deve-se interiorizar a produção cultural e literária no
âmbito de cada município ou região, cabendo aos seus estudiosos e escritores o
reconhecimento da necessidade de se criar uma entidade que os acolha. Ora, a
produção intelectual de um município ou região tende a buscar força suficiente
para mostrar sua pujança e ultrapassar seus limites.
Assim, a
criação de uma agremiação que congregue os escritores, intelectuais,
pesquisadores e estudiosos não deve ser algo impulsionado de fora para dentro,
ou seja, não deve ser estrategicamente pensado na ASL para ser implantado nas
regiões interioranas. Creio que os próprios munícipes visualizam melhor que
qualquer outra pessoa acerca da necessidade e potencialidade para criação de
suas academias.
Também não
se fundamenta a alegação - acaso existente - de que a ASL apenas procura ajudar
na organização, na criação do estatuto, repassando sua longa experiência no
acolhimento dos imortais sergipanos. E não sob pena de as academias
interioranas tomarem a feição de uma filial daquela, continuando à margem e
quase sempre devendo obediência hierárquica aos seus expoentes.
Do modo
como está sendo feito, com representantes da ASL sendo indicados para
participar na organização das futuras entidades, passa a transparecer que, uma
vez criadas e instaladas, as academias interioranas manterão vínculos de
subsidiariedade à sua matriz, que continuará sendo a nata da intelectualidade
aracajuana. E afirmei aracajuana exatamente para chegar ao ponto chave da
questão.
Ora, não
duvido que a intenção prevalecente entre determinados membros da ASL seja que a
entidade, ao deixar os intelectuais interioranos nos seus devidos lugares,
distantes do casarão da Rua Pacatuba, tentem transformar esta num centro
exclusivo para expoentes da cultura local. Contudo, o pior é que elegendo
pessoas que nem sempre possuirão as características exigidas pelo estatuto.
Mas eleger pessoas sem o devido merecimento
acadêmico nunca foi coisa do outro mundo para a imortalidade sergipana. Sem
citar nomes para não ser injusto, mas muitas pessoas que realmente deveriam ter
ali assento jamais foram ventiladas para usar o fardão. E, do mesmo modo,
alguns foram escolhidos para sumo espanto dos deuses da sabedoria e do
conhecimento. Porém, como afirma Jorge Amado em seu “Farda, fardão, camisola de
dormir”, tudo é possível.
Creio,
piamente, que a elevação cultural, artística e literária deve ser reconhecida
pelo que foi produzido. Também creio que a ASL deveria receber em seus quadros
apenas aqueles de reconhecido valor acadêmico e que tenham mostrado, ao longo
de seu percurso, uma produção digna de abrilhantar meritoriamente o fardão.
Contudo, nem sempre é assim que acontece.
Uma
academia de letras - seja sergipana ou de qualquer outro lugar -, ainda que não
acolha exclusivamente os expoentes das artes literárias, deverá, no mínimo, ter
a credibilidade suficiente para que suas escolhas não sejam contestadas pela
sociedade. E também não incorrer nas injustiças de acolher alguns por amizade
ou lobby literário e deixar de fora tantos outros que diuturnamente cimentam o
conhecimento.
E eis
agora um problema maior a ser resolvido pela ASL. Com o incentivo à
interiorização das academias, como as já surgidas em Nossa Senhora da Glória,
Itabaiana, Lagarto e Laranjeiras, logicamente que os literatos interioranos
ficarão abrigados nos seus silogeus. E a que nata acadêmica servirá a ASL? Com
os limites redesenhados, as portas do velho casarão certamente que estarão
abertas para a intelectualidade local.
Menos mal
que realmente fosse para a intelectualidade local. Contudo, sempre haverá o
temor que a ASL renegue de vez as letras do seu estatuto e, de vez em quando,
se transforme numa mera casa de acolhimento de pessoas que simbolizam apenas a
nata do compadrio e do poder político e econômico.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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