Rangel Alves da
Costa*
Por mais
que se imagine o sertão como retrato moldurado pela tristeza e devastação, com
a natureza melancolicamente sobrepujada pelas estiagens, há que se caminhar
pelas suas estradas e paisagens para que o imaginário se transforme em festa e
encantamento. Eis que a pujança da natureza ainda pode ser encontrada a
qualquer instante.
Verdade
que o retrato sertanejo não se mostra grandiosamente belo como desejaria o
homem da terra, o forasteiro ali instalado e o visitante. As intempéries acabam
enfeando as paisagens e a desolação dos dias esturricados tende a transformar
em aflição o que deveria ser de admiração. Mas situações existem que a tudo
transforma em verdadeiro paraíso.
Não
obstante a sempre confirmada beleza do luar sertanejo; as instigantes
indagações que surgem diante das flores majestosas, amareladas ou avermelhadas,
que despontam nas pontas e galhos dos cactos chamuscados de sol; as quedas
d’água que por encantamento surgem nas pedreiras da mataria; além de infinitas
atrações que deslumbram os olhares dos visitantes, o sertão guarda outras
surpresas de arrebatar e seduzir corações e mentes.
Coisas
simples, costumeiras para alguns, maravilhamento para outros, mas a verdade é
que em determinados períodos do ano a natureza se expressa de modo diverso e
fascinante. E tudo surge como para demonstrar que a sua exuberância está em
todo lugar, ainda que seja difícil imaginar um sertão tantas vezes sedento e
faminto, castigado pelas estiagens, com as deslumbrantes cores das craibeiras
em flor e o festim das garças brancas repousando em bando ou em revoada.
No sertão,
as floradas das craibeiras e o surgimento de imensos bandos de garças brancas
fazem o homem repensar sua presença em meio aquela vastidão de árvores
entristecidas e pássaros cada vez mais recolhidos aos seus distantes ninhos e
recantos. É um desafio ao pensamento e uma certeza que a natureza se faz
pujante até mesmo onde não se acredita existir tanta vida.
Demonstrações
desse tipo já eram possíveis nos cactos que nascem e florescem por cima das
pedras grandes, como ocorre com as cabeças de frade; no descortinado verdejante
que irrompe da paisagem cinzenta após qualquer pingo de chuva; e na própria
sobrevivência do homem perante meio tão hostil. Mas as craibeiras e as garças
brancas são diferentes, pois comparáveis ao florescimento das cerejeiras em
distantes regiões e às revoadas passarinheiras nos beirais pantaneiros.
O
florescer das craibeiras se torna a mais bela poesia matuta. Mesmo ainda distante,
logo os olhos divisam aquelas cores majestosas tomando a copa das árvores
defronte às moradias, casebres distantes, beiras de estradas, sempre se
sobressaindo nas paisagens. Talvez vaidosa demais, mas a verdade é que as
craibeiras gostam de crescer afastada de outras árvores, em local onde possam
florescer e logo serem reconhecidas pela beleza de suas cores.
A partir
de setembro, em plena estiagem, com tudo ao redor acinzentado e quando o clima
começa a esquentar ainda mais, eis que as craibeiras desafiam a paisagem e
irrompem com suas folhas amareladas. E basta o florescer imponente para que
tudo se transforme ao redor, eis que as atenções não serão outras que não para
a árvore símbolo da beleza em meio ao impensável. Daí também ser tão utilizada
para ornamentar praças e canteiros de ruas.
E não
obstante as copas douradas, revestidas de um amarelo tão vivo que chega a
brilhar à luz do sol, o chão logo abaixo também se transforma num tapete de
incomparável formosura. E o mais incrível é que as flores surgem desnudadas de
folhas; ou seja, vão desabrochando junto aos galhos e tomam toda a copa das
árvores, atraindo pássaros, borboletas, abelhas e principalmente o olho humano.
No mesmo
período, entrecortando os caminhos sertanejos será possível encontrar outras
cenas somente imaginadas em outras regiões, principalmente naquelas de fauna
exuberante. No primeiro instante o viajante até duvidará do que avista adiante,
supondo que seja algodoeiro aberto em flor e fazendo surgir uma imensidão de
pontinhos brancos. Mas a aproximação logo revelará o inesperado: uma infinidade
de garças brancas por cima dos arvoredos e, repentinamente, formando uma nuvem
em revoada.
As garças
brancas do sertão provocam um espetáculo inesquecível, principalmente àqueles
que não esperam encontrar nas margens das estradas senão mandacarus, facheiros
e xiquexiques. Mas de repente elas surgem de tal modo que causam um maravilhoso
espanto. Em pleno semiárido sergipano, após o município de Nossa Senhora da
Glória, a rodovia certamente revelará feições de um sertão deslumbrante.
Ali, às
margens da estrada, nas copas das árvores, nas proximidades das lagoas, as
garças brancas se mostrarão tão imponentes quanto a própria natureza. E,
dependendo da estação, não demorará muito para que as craibeiras confirmem a
grandeza que o poder divino reservou ao sertão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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