Rangel Alves da
Costa*
Os
inimigos são muitos e estão por todo lugar. Estranhos, conhecidos,
desconhecidos, vizinhos, hostis imaginários, qualquer um destes poderá lhe
fazer de vítima quando menos esperar. Por isso tenha muito cuidado. E até com
você mesmo, quem sabe... Melhor mesmo é ver perigo potencial em tudo e em
todos.
Melhor
imaginar que há um desonesto pelos arredores, quiçá nas proximidades,
caminhando na sua direção. Só pode ser alguém muito perigoso, só pode ser. Não
há como duvidar. Talvez ele já esteja na sua rua, ou quem sabe dentro do seu
muro. E se ele já estiver abrindo a sua frágil e envelhecida janela ou pensando
em roubar suas flores artificiais?
Um larápio
já me roubou um cavalo de pau, outro levou uma planta, ainda outro saiu raivoso
por nada haver encontrado. Disseram que não roubam sonhos, mas já tentaram. E
diversas vezes. Teve um que levou uma moeda sem validade e outro cortou um pão
ao meio e levou a outra metade. Este ao menos teve a delicadeza de deixar uma
fatia de mortadela.
Conheço
bem os inimigos, os contrários, os hostis. Do mesmo modo conheço seus modos de
agir e suas furtivas sutilezas. Todos, indistintamente, parecem pessoas
normais, seres que passam descontraidamente pelas ruas e calçadas, olhando de
frente a fundo. Se passassem e fossem embora, mas não, pois sempre retornam.
Mas todo mundo faz assim. Eis um problema.
Ao passar,
como se estivessem observando a segurança e a movimentação, olham para o muro,
para as portas e janelas, e principalmente para dentro da casa. Lançam o olhar
cuidadoso, distante, com potentes lunetas nas pupilas ligeiras. Creio que
procuram ter certeza se há cachorro ou não. Mas também tanto faz. E todo mundo
faz assim. Eis outro problema.
Passam a
primeira vez e retornam. E nesse passo já procuram se familiarizar mais com o
ambiente. Olham por cima do muro, para a primavera no jardim, para a gaiola do
passarinho e a fruta madura que apetece no pomar. Mas todo mundo faz assim. Eis
mais um problema.
Não é
difícil que, avistando alguém, educadamente peça uma informação, solicite um
copo de água, comente que o jardim está bonito, pergunte como se chama
determinada planta vistosa no xaxim. Mas nada diferente do que os outros fazem.
Um problema.
Muitas
vezes, assim que o desconhecido se aproxima, fala ou acena, surge à mente uma
vaga recordação. E logo pensa que aquela pessoa não é tão desconhecida assim.
Mas o melhor mesmo é evitar aproximação demais antes que tenha certeza, e até
se confirmando. Ninguém sabe se o conhecido decidiu afanar as suas esperanças.
Evidentemente, um problema.
Acaso se
comprove que a pessoa é conhecida desde muito tempo, ainda assim não haverá
certeza sobre o que está fazendo ali. Depois de tanto tempo, depois de tanto
distanciamento, o melhor a fazer é não entrar em detalhes sobre a vida nem
sobre o que deseja. E nem pensar em convidá-la para um cafezinho. E se estiver
tomada de más intenções? Eis um grave problema.
É um
perigo pessoa que entra na casa e logo começa a olhá-la de canto a canto, milimetricamente.
Mais perigoso ainda se pedir para conhecer outras dependências. Ali pode estar
uma toalha bordada ou um papel com poema inacabado. Tudo que um ladrãozinho de
meia tigela deseja. Por isso mesmo ser preciso evitar tais situações. Certamente
causam problemas.
Nem em
vizinho se deve confiar. Não há nada mais perigoso na vida que um vizinho.
Quando não deseja o que sempre avista no outro lado, basta que lance seu olhar
ciumento e acontecerá o pior. Olho de vizinho é a prega em pessoa. As flores
murcham, as plantas definham, o cachorro morre. E isso é muito pior que sorrateiramente
roubar. E também um problema.
Até mesmo
as pessoas de casa são perigosas. Você confia no seu esposo, nos seus filhos,
nos seus parentes? Cada um pode estar maquinando contra você. Aquele ditado
afirmando que o inimigo pode ser aquele que convive ao seu lado pode ser
verdadeiro. Muita coisa some que você nem sabe como pode ter acontecido. O seu
sossego é o maior exemplo disso. E que problema exemplar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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