Rangel Alves da Costa*
Talvez um dia eu desça dessa montanha. Mas
difícil encontrar a vida noutro lugar. Por isso estou agora ao entardecer no
alto do monte, de livro aberto na mão, com os olhos ávidos em Florbela Espanca.
E mais ler, repetir e dizer que longe de ti são ermos os caminhos.
Tal certeza se confirma no que tantas vezes
leio na poetisa portuguesa, certamente aquela que mais ardentemente impregna
versos na minha alma e sentimento. Parafraseando Pessoa, o outro grande bardo
lusitano, diria que a poesia de Florbela é o mais belo rio que passa pela
aldeia do meu coração.
Já sentia essa ausência, essa tristeza, essa
angústia. Já sentia esse fumo miragem que voa entre os meus dedos, que feito
névoa se dispersa diante da imagem que esvoaça. Porque a solidão e o pensamento
desesperadamente criam asas.
A solidão, a ausência, a solidão pela
ausência; o silêncio triste, a voz querendo teu nome, sem que a tristeza do
silêncio permita o grito desesperado. Somente o fumo que se dissipa impregna o
vazio de uma existência disforme.
Florbela não tem culpa de minha solidão, de
minha tristeza. Nem o alguém distante pode se sentir motivo para estar assim.
Apenas vejo no espelho da poesia o meu olhar refletido, a falta de luar e
rosas, as noites tão silenciosas.
E pensar em ti na reflexão do poema foge ao
meu desejo. A poesia faz pensar, faz sentir quanto longe de ti são ermos os
caminhos, mas não queria assim. Queria mesmo estar contigo e vivenciar outra
poesia. Mas também de Florbela.
A poetisa não tem culpa de tanta saudade, mas
não posso negar ou fingir ter sido com ela que aprendi o quanto longe de ti os
meus caminhos são cada vez mais ermos, solitários, num abandono desesperançado.
Eis que leio e releio na poesia:
Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
Talvez um dia eu desça dessa montanha. E não
precisarei mais ler esse livro de Florbela. Nunca mais. Não precisarei lançar
novamente o olhar sobre os caminhos ermos, a falta de luar e rosas, as noites
silenciosas, os beirais sem ninhos.
Não precisarei porque toda palavra já escrita
no coração. E porque tenho a palavra e conheço a dor, a solidão, a ausência, é
que tentarei vencer o deserto do caminho para encontrar outonos sem chorar,
afastar a tristeza nos crisântemos, e enfim alcançar tuas mãos.
E tocar em tuas mãos doces, plenas de
carinho!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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