Rangel Alves da Costa*
Toda recolhida, escondidinha num canto
qualquer, a pessoa sentia medo, sentia frio, estava completamente agoniada e
cheia de aflição.
Tudo parecia escuro ao redor, num negrume de
não se enxergar adiante. Barulhos cortando o ar, sons faiscantes tomando o
espaço, estrondos de algo parecendo com folhas de zinco sendo ferozmente
amassadas, cortadas, arremessadas. Zumbidos, zunidos, um pavor terrível em tudo
que se ouvia.
Era a fúria da natureza. Era também a fúria
da natureza humana. Há muito tempo que não chovia, não trovejava, não
relampejava, não havia enxurrada levando tudo. Mas não podia ser outra coisa.
Era um terrível temporal, uma voraz
tempestade, uma trovoada descomunal, uma medonha tormenta, o maior dos
dilúvios, a terra virando mar e a procela em seu impiedoso furor. Era chuva e
lágrima; aguaceiro e pranto; borrasca e devastação espiritual.
O sol brilhava lá fora, os caminhos estavam
firmes, a vida fazia o seu percurso. Da janela adiante tudo era normalidade,
ainda que com as desagradáveis surpresas dessa normalidade. Mas tudo como um
dia qualquer esperando que cada um fizesse sua parte na vida.
Mas a pessoa estava ali amedrontada, jogada
num canto, temendo tudo ao redor, fugindo da tempestade, correndo do temporal,
cavando um buraco profundo para se esconder lá dentro. No quarto escuro, de
janela fechada, não era a primeira vez que a fúria da natureza chegava em pleno
dia ensolarado.
Tentava não lembrar, fazia tudo para não
lembrar. No confronto do presente com o passado, qualquer olhar para o ontem
era como navalha fria entrando na pele, esfacelando tudo por dentro. Sabia que
havia sido culpa sua transformar a vida em furiosa tormenta.
A verdade é que agora estava ali querendo
gritar, querendo fugir, querendo morrer. Inegável é que agora estava ali feito
animal acuado, bicho que se envergonha de si mesmo, reles ser que não se
merecia. Talvez ainda pudesse caminhar, porém preferia rastejar, rolar pela
lama em busca de precipício.
Foi de joelhos até a fresta da janela e a luz
da vida doeu no seu olhar. Há muito que não enxergava nitidamente a vida, não
sabia o que era ter olhos límpidos para apreciar paisagens, se encantar com a
natureza. Não enxergava o horizonte, nada ao redor nem adiante. Apenas o quarto
escuro do vício.
Estranho que aconteça assim, mas o viciado em
drogas só enxerga a escuridão. A vida não enxergava não, não conseguia apreciar
nada que fosse realmente belo, mas apenas o que se escondia por trás das portas
de sua mente já totalmente tomada pelo negrume das sarjetas, das marquises, dos
esconderijos, dos becos e cantos que davam passagem para um lugar mais escuro
ainda.
Os olhos doeram ao avistar o mundo lá fora.
Tudo iluminado e cheio de vida, quase como uma visão estranha diante de si.
Esforçou-se um pouco mais, até ficou de joelhos para abrir mais a janela e
reencontrar aquela luz. Chorava com os olhos ardendo; pensou que não suportaria
ter o coração pulsando cada vez mais forte. Teve medo da morte.
Olhou para trás e sentiu em quanta escuridão
havia se mantido. Estivera jogada no breu dos esquecidos, dos abandonados à própria
sorte, porém chegada ali pelo próprio passo. E logo imaginou que abrindo um
pouco mais a janela tudo ficaria diferente, que aquele doloroso negrume logo
tomaria outra cor. E num impulso abriu totalmente a janela.
A luz e a ventania entraram tão fortemente
que colocou as mãos nos olhos tomados de ardência. E se arremessou pelo chão.
De bruços, com as mãos sobre a cabeça, se deixou chorar até que não tivesse
mais lágrimas. Choraria infinitamente se preciso fosse. Mas o motivo agora era
outro.
Ergueu-se, enfim. E depois de levantada disse
a si mesma que o dia ensolarado de ontem - que continuava naqueles que lutavam
para afastar de vez a escuridão das drogas -, seria também o seu sol de amanhã,
ainda que a chuva caísse para lavar o espírito e purificar a alma.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Feliz sábado!!! excelente texto.
Fraterno abraço
Nicinha
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