Rangel Alves da
Costa*
Delenda
est Carthago: Cartago deve ser destruída! Era o furioso grito do império romano
contra o seu inimigo cartaginês, que deveria ser urgente e completamente
aniquilado. As ameaças devem ser combatidas com precisão e rigor, de modo a não
dar chance a soerguimento e se tornar novamente em ameaça. Ou se destrói de vez
a adversidade ou esta retomará forças para novamente se impor como difícil
barreira.
Delenda
est Carthago, foi a sentença proferida do alto da tribuna do senado romano por
Marco Pórcio Catão, no sentido de que era necessário combater e destruir de uma
vez por todas as ameaças da cidade de Cartago. Se por uma ou duas vezes uma
ameaça se fez tão perigosa, não haveria como esperar mais uma afronta. O revide
teria que ser dado antes da próxima ação. Se mesmo derrotado o inimigo não se
fez prostrado, então que se coloque o ferro dos fortes sob o seu túmulo.
Segundo o
tribuno, era preciso fazer todo esforço possível para aniquilar de vez aquilo
que mais parecia uma Fênix que sempre renascia das cinzas. Parecia não
reconhecer as derrotas impostas e persistia em querer vingança. Assim, afirmou
o tribuno: Ceterum censeo Carthaginem delendam esse: Portanto, creio que
Cartago deve ser destruída. E arrasada ao ponto de não restar nem o pó que
possa pairar sobre Roma como nuvem do passado.
Mas por
que essa fúria romana contra Cartago, cidade fenícia no norte africano, e que
pela sua ousadia e destemor fez o tribuno Catão exigir sua completa destruição?
Por que um povo tão pacífico e avesso a guerras ousou desafiar Roma em três
contendas ao longo dos séculos III e II a.C.? Por que o general romano Cipião
Emiliano teria chorado ao não deixar pedra sobre pedra na última cidade
cartaginesa?
Tudo
começou na disputa pelo poder marítimo no Mediterrâneo. Cartago, cidade antiga
e bastante desenvolvida na arte da navegação, por muito tempo lutou contra os
gregos pelo domínio marítimo e foi fixando seu domínio sobre ilhas importantes,
como a Sicília e a Sardanha, que mais tarde passaram a ser cobiçadas pelos
romanos. Na luta contra os romanos se deu o que a história denomina de Guerras
Púnicas.
Desse
modo, Púnicas foram as três guerras travadas entre Roma e Cartago durante quase
um século, entre 264 a.C. e 146 a.C., pelo domínio das águas e do comércio do
Mediterrâneo. Cartago, principalmente sob o comando de Aníbal, provocou grandes
perdas ao império romano, mas jamais conseguiu derrotá-lo. Contudo, por já
haver vencido duas vezes e ainda assim o exército cartaginês persistir como ameaça,
o senador Catão exigiu seu total aniquilamento. E a última batalha foi tão
destruidora que o general romano Cipião chorou sob os escombros da grandiosa e
valente Cartago.
A frase
proferida por Catão do alto da tribuna, um exemplo da força da oratória, não só
expressa a necessidade de tomar medidas drásticas e urgentes em situações
graves, mas principalmente ecoa como a urgência de se avançar em direção aos
objetivos ainda que sobre o sangue do inimigo. Em busca da vitória, de firmar
conquistas ou simplesmente afastar aquilo que se mostra como ameaça, tudo será
justificado pelos fins almejados. E o poder como finalidade maior.
O exemplo
romano-cartaginês pode ser avistável em diversas outras situações. Na política
partidária, se expressa na necessidade de sepultar de vez os adversários, de
derrotá-los não só moral como eleitoralmente. Aquele que mesmo derrotado
continua como intimidação logo deverá ter contra si lançadas todas as armas, e
estas indo desde a mera calúnia e difamação às acusações mais estapafúrdias.
Mas que depois, em se tratando do submundo da política, não deixam de ter
resquícios de verdade. E até comprovadas.
As
palavras do tribuno romano também ecoam no mundo dos negócios, nas relações
profissionais e onde haja disputa por poder ou por status. No jogo do vale
tudo, ninguém respeita ninguém, e o mais normal é que tapetes sejam puxados,
rasteiras dadas, falsidades e traições sejam vistas como normalidade. E quanto
mais poderoso o contendor mais armas terá para afastar o inimigo, ainda que
frágil e insignificante, do caminho das pretensões egoísticas.
Os
egoísmos, as vaidades, as soberbas e os egocentrismos também espelham a ira
romana contra a valentia e a persistência. É usual que aquele que se acha superior,
mais importante ou mais capacitado entre todos, logo deseje diminuir ou
menosprezar o outro que, sem representar qualquer ameaça, deseja apenas um
lugar ao sol. Mesmo a humildade e a singeleza serão vistas, aos olhos do poder,
como possíveis e futuras ameaças. E urge extirpá-las.
Assim,
ainda na força do eco da fúria romana, a humanidade caminha ensinando que a
gana dos fortes, dos poderosos, não se contenta apenas em derrotar, mas
destruir completamente tudo aquilo que seja visto como adversidade, ainda que
não represente qualquer ameaça mais consistente.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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