Rangel Alves da Costa*
Saudade não é tão ruim assim. Saudade não dói
tanto assim. Ademais, é algo tão necessário como a própria existência. Como o
indivíduo vive da ação para existir, igualmente precisa da ponte chamada
saudade para caminhar no seu mundo.
Ninguém vive sem passado, sem recordação,
despido de memórias. O realizado ou vivenciado ontem sempre retorna à mente
clamando para continuar existindo ou relegado de vez ao esquecimento. Mas
ninguém esquece de vez o feito ou vivido.
Em tal contexto é que residem os três tipos
de saudade: a que vem como algo bom, quase como um desejo ou chamado; a que
chega entremeada de prazer e angústia; e a que vem para mortificar,
simplesmente para fazer com que a pessoa sofra com alguma situação do passado.
A saudade boa faz parte do alimento
espiritual do indivíduo. A pessoa não consegue viver sem chamar à mente fatos,
situações ou pessoas. São saudades boas as dos grandes amores ainda cultivados,
as doces palavras um dia ouvidas da boca de alguém, os grandes feitos, as
grandes conquistas e os sonhos realizados na vida.
A saudade mista, entremeada de aceitação e
agonia, geralmente chega quando a pessoa começa a recordar entes queridos que
já partiram. E já partiram pela morte ou pela distância. É suportável relembrar
pelo amor ou afeto ainda presente, como retrato que jamais deva sair da parede
da mente. Porém, o simples ato de recordar motiva tristeza, aflição e
sofrimento.
Por sua vez, a saudade nefasta, aquela que
vem para martirizar, geralmente é fruto de erros passados do indivíduo. O
malfeito sempre retorna como fantasma, o mal praticado surge na mente como
penitência. Daí que atormenta, trucida, tortura. E quanto mais a pessoa tenta
esquecer mais ela retorna como um grito horrendo.
Nenhuma dessas saudades, contudo, pode ser
afastada da mente. Para o bem ou para o mal, para o deleite ou desprazer, de
repente ela encontra um motivo para se instalar. E tudo ao redor parece
conspirar a favor da recordação. O retrato encontrado, a chuva caindo, a vela
acesa, o perfume da brisa, as sombras da noite, tudo pode motivar a saudade.
Entretanto, algumas saudades podem ser
provocadas, enquanto outras podem chegar naqueles momentos mais inesperados. E
são provocadas aquelas cujos motivos são buscados pela própria pessoa. Ouvir
determinadas músicas, rebuscar escritos guardados, abrir baús esquecidos,
procurar faces em fotografias, estar em ambientes nostálgicos, tais são alguns
contextos em que a saudade surgida não surge como estranheza.
Por seu lado, as saudades não provocadas,
aquelas que surgem ao acaso, têm o dom de transformar totalmente a pessoa.
Quando a memória irrompe com o filme não desejado, quando o passado volta como
cena tão viva e presente, e no cenário a visão jamais desejada, então a pessoa,
querendo fugir, começa a agir em total desconformidade com o momento.
Mas não posso negar a existência de saudades
completamente estranhas, aquelas que alguns chamariam de “sem pé nem cabeça”.
Verdade que todo mundo de repente pode se sentir tomado por recordações de coisas
distantes ou alheias ao acervo da memória. E depois fica imaginando o porquê de
ter sentido saudade daquilo.
E assim costumeiramente acontece comigo. Num
instante e já estou com uma saudade danada da frutinha amarelada do araçá; me
dá uma vontade danada de mergulhar nas águas antigas do riachinho que passa
pela minha aldeia; me vem à memória o cheiro do café torrado ao entardecer na
casa de Dona Lídia.
E que coisa mais estranha: sinto saudade de
minha fazenda de ponta de vaca, do meu cavalo de pau, dá mocinha do circo que
um dia pensei ser minha namorada. E também o aroma do frasquinho de perfume que
fui presenteado pela ilusão circense. E eu era menino querendo ser homem feito.
Mas aí já é outra saudade.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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