Rangel Alves da Costa*
Por aqui, na terra que era dos cajueiros e
papagaios, os últimos acontecimentos envolvendo acusações de favorecimentos
para fins eleitoreiros, mudanças nas indicações partidárias, trocas de insultos
entre parlamentares da mesma base, enfim, o “pega-pa-capá” em torno do PT e
PSB, possui um enredo já conhecido com outras feições. Porém sempre na metáfora
do barco que vai à deriva não por conta da fúria das águas, mas de seus
próprios tripulantes.
Parece história colhida em filme ou romance.
Um barco seguro que vitorioso sai do porto em busca de consolidar novas
conquistas, depois de navegar por muitas águas começa a enfrentar desafios. Os
perigos, contudo, não estão nas intempéries naturais, no furor das correntezas,
mas dentro de seus próprios costados e em meio aos seus tripulantes. Talvez o
decorrer da viagem os tenha tornados cansados e desiludidos, ou mesmo sedentos
demais por espaço e poder na embarcação. Esta hipótese talvez reflita melhor a
situação.
O barco, arduamente construído para ser
duradouro e vitorioso, já ia distante
rumo ao seu destino. As baixas e os problemas enfrentados na viagem não
pareciam ser mais fortes que a vontade de vencer os muitos percalços e alcançar
a segurança de outros portos. Contornados os rochedos, vencidas as ameaças, tudo
parecia dentro da normalidade dos objetivos traçados pelo capitão. Mas a
calmaria das águas não era a mesma daquela observada internamente.
A dimensão do barco parecia garantir espaço
suficiente para cada um dos tripulantes, e quase todos arregimentados na
própria base de luta. Mas não era assim que todos pensavam. Alguns, ora se
achando amigos ou próximos demais ao capitão, procuravam obter cada vez mais
poder de comando; outros, por se acharem experientes e responsáveis pelo
sucesso na condução desse barco, não aceitavam perder espaço nem se submeter a
imposições dos outros.
Muitos outros havia que tinham de suportar
tudo calados. Não contestavam os mais influentes porque pensavam apenas em
receber sua quota de ração. Por mais que as insatisfações não se revelassem de
vez, a verdade é que a cada dia o clima entre os tripulantes ia ficando mais
difícil, com desavenças veladas de passo a passo. Contudo, na medida do
possível, as insatisfações iam sendo contornadas, ainda que proliferassem focos
de descontentamentos.
O capitão era um navegante das águas sempre
obstinado e com experiência na condução do mesmo barco a outros portos. Vencera
desafios impensáveis diante de velhos marinheiros. Procurava a tudo contornar
sem permitir que os problemas se alastrassem para outros horizontes, porém
descuidava em não acabar de vez com as querelas internas e os ciúmes que
estavam na raiz de todos os males. Talvez enxergasse bem o clima de discórdia
entre os seus comandados, porém seus objetivos adiante eram maiores que os
problemas internos.
Reafirmando sempre não admitir que aquela
importante travessia fosse prejudicada por pequenas desavenças entre os seus,
exigia firmeza nas ações e o compromisso de cada um com o destino da
embarcação. Desse modo, as chamas das rebeliões eram momentaneamente apagadas,
mas sem o braseiro ser extinto de vez. Daí que uma fumaça branda persistia e pelo ar se espalhava um clima de guerra a
ser declarada a qualquer momento. O pavio parecia aceso diante do paiol.
A ventania começou a soprar forte, os
horizontes já não possuíam a mesma feição segura. As brasas continuavam vivas e
os açoites do vento pareciam indicar que as chamas crepitariam a qualquer instante. E assim
realmente logo aconteceria, vez que todos parecendo contra todos, grupos
tramando contra grupos, um barril a ponto de explodir. E bastou que o capitão
deixasse o comando da embarcação para o barco ficar à deriva, as chamas
reacenderem, os ódios e ciúmes ganharem voz e uma insustentável rebelião tomar
conta de tudo. Chamas amareladas espargindo do vermelho fogaréu.
Quanta falta faz um bom capitão no comando de
uma embarcação. O comandante, combativo e inteligente marinheiro, aquele cujos
princípios de coerência e obstinação certamente os levariam a outras numerosas
conquistas, foi chamado pelo canto do destino e de repente desapareceu da
embarcação. Atônitos, tomados de espanto e dor pelo desaparecimento do mestre,
os tripulantes lamentaram apenas o suficiente para relembrar as desavenças e
reiniciar outras de contrapeso. E o barco ficou à deriva.
Sem o comando do capitão, logo as brigas
irromperam de vez e a embarcação ficou com destino incerto. À deriva, deixado
ao sabor das tempestades internas e com seus tripulantes em pé de guerra, nem
mesmo o mais velho e experiente marinheiro para imaginar que porto ou
profundeza o espera. Ao longe um sopro no ar, mas ninguém sabe se brisa ou
tormenta.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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