Rangel Alves da Costa*
O rio que passa pela aldeia, ainda que não
seja o mais imponente dos rios, é aquele que mais belo se mostra diante do
olhar. Não só do poeta Pessoa, mas de qualquer um que entenda o seu significado
sentimental, sua importância na vida. Mas de onde vêm essas águas silenciosas e
mansamente ternas?
Tudo na vida vem de uma nascente, de um
manancial primeiro, possui um ponto de partida, um local de surgimento. E de
lá, após emergir na terra, caminha, corre, deságua, vai formando um curso,
tomando uma direção. Assim com a história de vida e com tudo que se aviste ao
redor, ou mesmo com o que é presença apenas na memória.
Um rio imenso e caudaloso não nasce com
qualquer pujança, mas de um pequeno veio d’água, de um aqüífero ou lençol. A
água armazenada na superfície, de repente irrompe, tem continuidade e faz
surgir um pequeno traço molhado que vai se avolumando pelos caminhos. Do mesmo
modo, uma saudade não brota ao acaso. Haverá sempre uma motivação para que o
pensamente vá rebuscar aquela feição.
O ser humano não possui sua nascente apenas
nas raízes paternas e maternas. Logicamente que seus pais foram o ponto de
partida para o seu nascimento, mas foram outros mananciais hereditários que
permitiram o surgimento de seus pais, avôs, bisavôs, num percurso distante e
que ainda reflete na sua presença. E o rio atual, que está na pessoa, transmite
aos seus filhos apenas um fluxo que os impulsiona à vida.
E muitos seriam os exemplos. A sabedoria tem
por nascente a busca do conhecimento do mundo através da razão. Seu veio, seu
primeiro ponto de emanação, emerge no ser humano a partir do instante em que
sente necessidade de conhecer e explicar a existência, quais seus fundamentos e
suas propensões. É um sentido filosófico da existência, mas a própria filosofia
tem por objetivo maior conhecer as nascentes de tudo.
Mas ainda em torno da primeira indagação: De
onde vem o rio que passa pela minha aldeia, e também o córrego de mais adiante,
e ainda a cachoeira que se derrama espumosa em meio àquelas montanhas? De onde
vem o rio que corre nas minhas veias, de qual fonte primeira brota essa seiva
de vida? De onde vem a saudade, a lembrança, a recordação?
Sim, quero, preciso saber de onde vem essa
chama cordial ao sentimento e que não por acaso se chama amor? Será do desejo,
do olhar, da necessidade de compartilhar, de um estranho afeto repentinamente
surgido e ao longo fortalecido, ou de uma poderosa e misteriosa força do
destino? Eis que o amor, o verdadeiro amor, é destino.
As indagações seriam muitas. A verdade é que
nada surge ao acaso. No início de tudo há um elemento substancial sem o qual
nada pode surgir, nascer ou frutificar. A correnteza vem do rio, este num leito
percorrido, e tudo numa viagem que se inicia em algum lugar. E onde será ou
estará o lugar, este primeiro despertar das águas que transforma um ponto numa
imensidão?
A Bíblia fala numa gênese, numa criação, no
início de tudo. Ali estão os alicerces e os fundamentos da vida na terra.
Contudo, é além do sentido bíblico da criação que devemos procurar outras
nascentes. Deus criou o homem, o céu, a terra e os seres que a habitam, as
águas dos rios e dos mares, mas tais elementos possibilitaram o surgimento de
outros nascentes. E estas são as nascentes que mesmo existentes nem sempre
conseguimos encontrar.
Imaginamos ou sabemos que algo existe porque
sentimentos sua presença, vivenciamos ou compartilhamos. Contudo, do todo
existente nos chega apenas uma parte, e certamente um grão diante de uma imensa
grandeza. E será preciso, pois, que nos esforcemos para conhecer os caminhos
existentes e que levam ao conhecimento de onde tudo parte, de onde tudo nasce.
Ao menos daquilo que nos desperta interesse. Precisamos, pois, buscar sempre as
nossas nascentes, eis que precisamos saber da nossa tão simples e humilde
origem.
Conhecendo a humildade, talvez encontremos as
respostas para tudo que há abaixo do céu e acima da terra.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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