SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 12 de janeiro de 2014

EM BUSCA DAS NASCENTES


Rangel Alves da Costa*


O rio que passa pela aldeia, ainda que não seja o mais imponente dos rios, é aquele que mais belo se mostra diante do olhar. Não só do poeta Pessoa, mas de qualquer um que entenda o seu significado sentimental, sua importância na vida. Mas de onde vêm essas águas silenciosas e mansamente ternas?
Tudo na vida vem de uma nascente, de um manancial primeiro, possui um ponto de partida, um local de surgimento. E de lá, após emergir na terra, caminha, corre, deságua, vai formando um curso, tomando uma direção. Assim com a história de vida e com tudo que se aviste ao redor, ou mesmo com o que é presença apenas na memória.
Um rio imenso e caudaloso não nasce com qualquer pujança, mas de um pequeno veio d’água, de um aqüífero ou lençol. A água armazenada na superfície, de repente irrompe, tem continuidade e faz surgir um pequeno traço molhado que vai se avolumando pelos caminhos. Do mesmo modo, uma saudade não brota ao acaso. Haverá sempre uma motivação para que o pensamente vá rebuscar aquela feição.
O ser humano não possui sua nascente apenas nas raízes paternas e maternas. Logicamente que seus pais foram o ponto de partida para o seu nascimento, mas foram outros mananciais hereditários que permitiram o surgimento de seus pais, avôs, bisavôs, num percurso distante e que ainda reflete na sua presença. E o rio atual, que está na pessoa, transmite aos seus filhos apenas um fluxo que os impulsiona à vida.
E muitos seriam os exemplos. A sabedoria tem por nascente a busca do conhecimento do mundo através da razão. Seu veio, seu primeiro ponto de emanação, emerge no ser humano a partir do instante em que sente necessidade de conhecer e explicar a existência, quais seus fundamentos e suas propensões. É um sentido filosófico da existência, mas a própria filosofia tem por objetivo maior conhecer as nascentes de tudo.
Mas ainda em torno da primeira indagação: De onde vem o rio que passa pela minha aldeia, e também o córrego de mais adiante, e ainda a cachoeira que se derrama espumosa em meio àquelas montanhas? De onde vem o rio que corre nas minhas veias, de qual fonte primeira brota essa seiva de vida? De onde vem a saudade, a lembrança, a recordação?
Sim, quero, preciso saber de onde vem essa chama cordial ao sentimento e que não por acaso se chama amor? Será do desejo, do olhar, da necessidade de compartilhar, de um estranho afeto repentinamente surgido e ao longo fortalecido, ou de uma poderosa e misteriosa força do destino? Eis que o amor, o verdadeiro amor, é destino.
As indagações seriam muitas. A verdade é que nada surge ao acaso. No início de tudo há um elemento substancial sem o qual nada pode surgir, nascer ou frutificar. A correnteza vem do rio, este num leito percorrido, e tudo numa viagem que se inicia em algum lugar. E onde será ou estará o lugar, este primeiro despertar das águas que transforma um ponto numa imensidão?
A Bíblia fala numa gênese, numa criação, no início de tudo. Ali estão os alicerces e os fundamentos da vida na terra. Contudo, é além do sentido bíblico da criação que devemos procurar outras nascentes. Deus criou o homem, o céu, a terra e os seres que a habitam, as águas dos rios e dos mares, mas tais elementos possibilitaram o surgimento de outros nascentes. E estas são as nascentes que mesmo existentes nem sempre conseguimos encontrar.
Imaginamos ou sabemos que algo existe porque sentimentos sua presença, vivenciamos ou compartilhamos. Contudo, do todo existente nos chega apenas uma parte, e certamente um grão diante de uma imensa grandeza. E será preciso, pois, que nos esforcemos para conhecer os caminhos existentes e que levam ao conhecimento de onde tudo parte, de onde tudo nasce. Ao menos daquilo que nos desperta interesse. Precisamos, pois, buscar sempre as nossas nascentes, eis que precisamos saber da nossa tão simples e humilde origem.
Conhecendo a humildade, talvez encontremos as respostas para tudo que há abaixo do céu e acima da terra.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

Nenhum comentário: