Rangel Alves da
Costa*
Talvez o
tempo de permanência na terra seja curto demais. Pessoas existem que realmente
se vão muito cedo. Outras permanecem inertes por achar que ainda terão muito
tempo para realizar. E de repente tudo acaba sem nada ter feito.
Talvez a
velha e persistente preguiça impeça de fazer aquilo que deveria. Ou talvez a
procrastinação, o sempre deixar pra fazer depois, atrapalhe as realizações. Não
raro que as realizações, se somadas em importância, não tenham grande valia.
Realizar,
proveitosamente, enquanto a vida permite deveria ser uma obrigação moral e
pessoal de cada um. E os motivos são muitos para transformar a vida em práticas
úteis. Contudo, por mais que vivessem a eternidade, ainda assim muitos
permaneceriam na inércia dos preguiçosos e improdutivos.
Entretanto,
considerando-se que muitos se vão sem alcançar sequer metade de seus objetivos
na vida ou sem poder transformar o seu meio segundo seus desejos, o único jeito
é deixar pra depois, quando morrer. Mas será possível?
Certamente
dirão ser impossível fazer qualquer coisa depois da morte. Ou fez em vida ou
nunca mais fará. O que não realizou de olhos abertos jamais poderá ser feito de
olhos eternamente fechados. Mas acho que não é bem assim. Creio ser possível
fazer muitas coisas mesmo depois da morte.
Dante
Alighieri não me deixa mentir. Sua Divina Comédia traça o percurso póstumo de
muita gente importante. Se bem que tudo ali depende do que foi feito em vida,
desde a estadia em diversos patamares do merecimento pessoal, ainda assim muito
se avista como nova realidade.
Não se
espere, logicamente, que a pessoa morta procure a concessionária para escolher
o carro dos seus sonhos ou que adquira uma bela casa de campo, ou mesmo que
venha pagar débitos desde muito atrasados. Nada disso será possível, mas outras
coisas sim, como serão demonstradas.
Pessoalmente,
o falecido, dependendo de como se deu a sua permanência na terra, poderá ter
muitas opções lá em cima, ou simplesmente ser forçado a fazer lá embaixo. Ou
mesmo realizar algumas coisas entre os vivos. O restante será feito em seu
nome, pelos seus entes, de modo a preservar sua memória ou rapidamente
transformá-la em esquecimento.
Delimitados
os poderes de realizações do morto, urge apontar aquilo que o mesmo poderá
fazer após a passagem. Eis, então, as dez coisas para fazer depois de morrer:
1. Recebendo
o visto de entrada no céu, terá tempo mais que suficiente para fazer caminhadas
por belíssimos jardins, ouvir orquestras de anjos, meditar profundamente,
reconhecer que tal dádiva só é reconhecida às pessoas de bem.
2. Diante
dos bons e floridos caminhos ou ao redor dos lagos límpidos e perfumados do
paraíso, poderá caminhar em busca daqueles que tanto gostava. E muito terá de
falar sobre os que ficaram e ouvir acerca de sua nova morada.
3.
Certamente ficará desapontado ao procurar por velhos amigos e não conseguir
encontrá-los por ali. Eis que em vida não foram suficientemente bons para
garantir um lugar entre os escolhidos. Certamente estarão num lugar muito
diferente dali. E é melhor não ir procurá-los por lá. A não ser...
4. A não
ser que sua estrada também tenha sido outra. Desviado o caminho e apontado
outro portal, o sujeito haverá de provar que não foi tão ruim assim em vida
para merecer padecimentos. Neste momento, com a força da oratória que nunca
explorou quando vivo, terá de mostrar que seus pecados foram apenas mundanos e
não mortais.
5.
Dependendo de onde fixe residência após a passagem terrena, terá reconhecido
seu direito de regressar como espírito bom ou ruim. Subirá arrastando correntes
ou descerá com feição de saudosa candura. É assim que se mostrará aos seus. E a
preferência deve ser feita ainda em vida.
6.
Contudo, pode ocorrer que a pessoa não é aceita no céu nem é merecedora da
dolorosa escuridão. Fica num patamar entre acima e abaixo, precisamente na
fronteira terrena. Eis que lhe é dado o direito ou a oportunidade de se
redimir, de reparar erros cometidos. Daí ser um espírito que continuamente vaga
tentando alcançar o perdão daqueles que tanto afligiu.
7. Tendo
garantida a estadia no paraíso e mantendo amizade com as forças superiores, não
poderá esquecer-se daqueles seus que tanto necessitam de ajuda divina. É o
momento de interceder invocando a proteção e o olhar divino sobre aqueles
aflitos que continuam na terra.
8.
Enquanto falecido que dignifica sua morada lá em cima, certamente lhe será
concedido o direito de passar férias junto aos seus, aqui na terra. É o momento
em que pressentem sua presença, sentem como estivesse ao seu lado. Que esteja,
mas agindo apenas na presença invisível e despertando a saudade boa.
9.
Certamente muitos não seguem os conselhos superiores e se mostram como se vivos
estivessem. Além de amedrontar e fazer desacreditados os seus, perderá ótima
oportunidade para, na invisibilidade, presenciar o mundo que ainda é tão seu e
sentir onde caberá maior intercessão divina.
10. Mas,
acima de tudo, reconhecer que a morte jamais será o fim de tudo, pois
permanência. E mais força de permanência terá aquele que foi digno enquanto
viveu. E não morrerá aquele que viveu para o bem.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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