Rangel Alves da
Costa*
Está
escrito no Livro do Eclesiástico 6,14: Amigo fiel é poderosa proteção; quem o
encontrou, encontrou um tesouro. Há sentido na afirmação bíblica, mas também há
confirmação de que, comparando-o a um tesouro, logo o coloca como algo
dificílimo de ser encontrado.
Ainda
comparando verdadeiros amigos a tesouros, talvez nos tempos das piratarias
existissem mais. Talvez hoje prevaleça uma arqueologia das amizades perdidas,
esquecidas, ornadas em falsidades. Atualmente, até se pode sonhar desencavando
uma botija de infinitas riquezas, mas o fiel amigo nem em sonho chegará.
Pressupõe-se
- e apenas isto, pois ninguém realmente sabe mais o que seja um amigo leal e
confiável - que o fiel amigo seja aquele que o indivíduo desejaria ter para
confiar segredos, relatar sentimentos, ter a certeza de poder contar com sua
ajuda nos instantes mais inusitados. Porém sabe, por experiência adquirida em
outras situações, que nada disso existe mais.
Alguém já
disse, e com razão, que a precisão reflete a amizade que o necessitado pode
dispor. Os conscientes sabem muito bem que as ilusões da amizade possuem
fronteira precisa. Experimente precisar para saber. Diferentemente ocorre
quando o tempo é de fartura, é de bonança, quando os amigos surgem como
formigas no mel.
Verdade é
que o sujeito, depois de sentir o distanciamento e a frieza das pessoas, de
saber da pouca importância que dão às suas palavras e sentimentos, acaba tendo
de reconhecer a impossibilidade de ter amizades que sejam como extensão e
escudo. Como afirmado, não é difícil fazer tais constatações, bastando que esteja
em situação financeira inferior àquela apresentada noutros momentos.
E isto
leva a outra constatação. Muitas amizades possuem o custo do poder, da riqueza,
da influência, da situação do momento. Os interesses pessoais tornam
desconhecidos em amigos, e em verdadeiros companheiros aqueles que nem a um
cumprimento respondiam. Há no interesseiro uma descomedida facilidade em fazer
amigos. Porém até que se sirva dos favores.
Aquele
cuja residência vivia apinhada de gente em festins, com todos o tratando como o
maior amigo do mundo, logo conhecerá a outra realidade quando a situação
financeira não mais permitir receber convidados. Amargará a solidão dos
esquecidos. Contudo, certamente terá muito mais sossego.
Até mesmo
em situações corriqueiras, no cotidiano dos dias, os ditos amigos somem diante
da situação financeira do outro. E por dois motivos principais. Porque não pode
mais contar com as benesses do outro e por medo que o desfalcado, confiando na
amizade, lhe fale algum emprestado.
Não é por
acaso que o cão, até mesmo um cachorrinho vira-lata, foi alçado à condição de
melhor amigo do homem. Eis que o sujeito reconhece que pode confiar muito mais
num cachorro do que num ser de sua mesma espécie. Ainda que o seu amigo canino
mais tarde o morda, o estrago será bem menor que o provocado pela falsidade.
Atualmente,
por sarcasmo, de forma sempre debochada, se costuma igualar a homem mulher de
amigo. Se não há amizade, logicamente que a mulher está sendo vista como a
esposa de um sujeito qualquer, principalmente quando os seus dotes físicos
estão ressaltados.
Nem aquele
amigo de derramamento de lágrimas existe mais. Mesmo sabendo que o outro não
modificaria nada sua situação, houve um tempo que o sujeito reanimava o seu
espírito apenas pelo fato de encontrar o outro e derramar suas mazelas, suas
tristezas, seus temores conjugais.
Tal
situação é fielmente descrita numa música gravada pelo MPB4, “Amigo é pra essas
coisas”: Salve!/ Como é que vai?/ Amigo, há quanto tempo!/ Um ano ou mais/
Posso sentar um pouco?/ Faça o favor/ A vida é um dilema/ Nem sempre vale a
pena.../ O que é que há?/ Rosa acabou comigo/ Meu Deus, por quê?/ Nem Deus sabe
o motivo...”
Do mesmo
modo, há que se tomar apenas como quimeras os versos de Roberto Carlos dizendo
do amigo de fé, do irmão camarada, amigo de tantos caminhos e tantas jornadas.
Amigos assim são riquezas esquecidas nas botijas de outros tempos. Tais
relíquias estão devidamente esquecidas no subsolo das inconstâncias e
leviandades modernas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Maravilhoso e lúcido texto, Rangel. Bem, mas isto é chover no molhado; todos os teus escritos são assim... amigos? Não me iludo com eles há muito tempo. Mais triste, é quando a própria família nos trai.
Postar um comentário