Rangel Alves da
Costa*
Com o
devido adeus ao ano velho, tão cedo não há mais que se falar na existência ou
não do bom velhinho. Insistem em dizer que Papai Noel não existe, gracejam dos
que nele acreditam, porém permanecem num mundo de ilusões ainda mais
descabidas, que são as persistentes fantasias perante as realidades mais
contundentes. Saiba que é melhor acreditar no viajante das renas a crer nos
discursos governistas que tudo vai bem.
Mas no
mundo das ilusões é onde habita grande parcela da população brasileira. Incrível
como agem os que vivem de quimeras ou que se deixam iludir com a facilidade dos
insensatos. São domados e conduzidos às redomas da submissão; são feitos reféns
das aventuras mentirosas dos espertalhões; são levados a crer naquilo que
qualquer conscientização mais crítica reputaria como vergonhoso e abjeto. E são
transformados sempre em massa de manobra.
O problema
maior vem no passo seguinte, eis que de tanto acreditar em mentiras, jogos de
palavras e situações ardilosamente forjadas, acabam sempre desprovidos do
conhecimento da própria existência, de suas carências pessoais, da realidade
impiedosa que os rodeia. Quer dizer, acabam se reconhecendo apenas pelo que os
outros afirmam ou impõem. E, sem buscar as forças da transformação, continuarão
iludidos e crentes que vivem as maravilhas de um país justo, humano e
igualitário.
Máximo
engano. Certamente que o irreal é tão estrategicamente trabalhado que quase
se torna imperceptível aos descuidados.
E grande parte do povo brasileiro além de omissa e negligente é
reconhecidamente esquecida da dor sofrida no instante anterior. Por mais que
sofra, seja aviltada nos seus direitos fundamentais, denegrida na sua dignidade
e tributada até a última gota de suor da luta, ainda assim aplaude a mentira de
seu algoz. É um povo que gosta de sofrer. Não há como negar essa triste
realidade.
É uma
situação deveras complicada. E mais difícil ainda diante da constatação de que
a maioria da população parece não ter absorvido nada do mundo do conhecimento
nem da maior formação educacional dos últimos tempos. Enquanto a realidade muda
e as informações são instantaneamente repassadas, as pessoas continuam, por
exemplo, acreditando em promessa de político e nos velhos discursos governistas
de que o país, o estado ou o município alçou o status de paraíso.
Bem que
poderia ser diferente, mas impossível fugir de uma verdade: muitas pessoas
continuam forjando inexistentes realidades e nelas buscando abrigo. Contudo,
isso não acontece ao acaso, pois a motivação maior está precisamente na falta
de encorajamento para contestar a si mesmas e aos mentirosos de plantão.
Desvalorizando a si mesmas, acabam valorizando tudo que venha como fantasia
política e ilusão de que tudo está no caminho certo.
Talvez o
medo da libertação, do encontro com a verdade e da necessidade de tomar
posicionamentos, faça com que prefiram continuar na clausura dos submissos e
acovardados. Nesse aprisionamento por conta própria, acabam ainda mais
fragilizados e se tornam um prato cheio para os que desejam que permaneçam sem
pensar, sem noção crítica da realidade e apenas úteis enquanto eleitores. Na
política, povo é apenas um instrumento de voto. E mais nada.
No mundo
das ilusões tanto faz o preço do feijão ou da carne, o desemprego ou se o
atendimento à saúde vai bem ou mal. Tanto faz porque os governantes afirmam que
está tudo bem, sob controle ou que amanhã será melhor, e todos acreditam, ainda
que seja a mesma ladainha da eternidade. No país das ilusões, onde quase todos parecem
enxergar pelo avesso, é a realidade que se mostra mentirosa e distante do que
os ilusionistas de plantão afirmam.
Tudo num
país de fantasias, quimeras e excentricidades, e em meio e para pessoas delirantemente
abrigadas no mundo da lua. É como se tudo fosse artificial, dissimulado, de
existência apenas fingida. Contudo, o mais inquietante é que os delírios e
encantamentos acabam produzindo os resultados que cada um deseja ter; ou seja,
as pessoas acabam aceitando o irreal como se não fosse possível outra verdade.
E de passo
em passo, sem os pés no chão nem a cabeça agindo conscientemente, vão se
distanciando do mundo e dos espelhos da vida para se contentar com aparências
ou com as tantas ilusões criadas ou encontradas. Com pessoas assim, o terreno é
mais que fértil para as magias políticas e os ilusionismos na economia, na
saúde, na educação. E o circo da vida continua atrativo para aqueles que
preferem o irreal e disso se alimenta como seiva de existência.
É Brasil,
nação imensa, mas que tão bem caberia num livro de conto de fadas ou numa
história da carochinha. Também pátria de premeditadas inocências, ingenuidades
talhadas na submissão, alienações desejadas e prazerosas escravizações. Em tudo
as ilusões, e tudo tão ao modo do povo que se nega a enxergar que continua
servindo de palhaço no grande circo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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