Rangel Alves da
Costa*
Natureza e
História se assemelham em muitos aspectos. A natureza enquanto ambiente,
cenário ou paisagem natural onde ocorrem fatos, acontecimentos e situações.
Nela há o desenrolar e o desenlace daquilo que irá interessar, ou não, à história.
Neste sentido, a natureza nordestina foi palco das lutas cangaceiras, o
Nordeste açucareiro e do senhor de engenho foi cenário para a exploração
escravocrata.
Mas, como
dito, os acontecimentos nem sempre interessam à história. É a sua importância
no contexto social que proporciona visibilidade. Para que se ajuste às
exigências históricas, os fatos e acontecimentos necessitam ter um caráter
transformador, precisam estar além do apenas rotineiro e provocar mudanças. Tais
mudanças, contudo, não precisam ser imediatas ou em curto prazo. Muitas vezes,
a sutileza de um acontecimento só é reconhecida como importante muito tempo
depois.
Um aspecto
importante a ser observado é que a história depende muito mais da natureza do
que esta daquela. Na natureza pode, e por muito tempo, continuar preservada a
própria história. Como são os ambientes dos acontecidos os retratos mais
fidedignos de determinadas realidades - e por isso mesmo a importância do
estudo de campo -, tem-se que neles podem repousar tudo o que precisa ser
conhecido e que é reconhecido como de importância histórica.
Neste
contexto, a preservação do cenário histórico se torna de suma importância para
que nele continue registrado, o quanto mais fidedigno possível, o fato ou
acontecimento. A descaracterização do ambiente retira da paisagem aquele
retrato tão importante para a real visão e compreensão do acontecido.
Transformado o ambiente, descaracterizado estará aquilo um dia vivenciado.
Determinada feição existente, e assim possível porque preservada no percurso
dos anos, de repente começará a desaparecer acaso não aja ação responsável para
sua manutenção.
Na natureza,
bastante conhecido é o fato de as espécies novas acabarem dizimando o que for
nativo. As plantas nativas, por exemplo, não suportam as investidas e as
infestações das espécies exóticas ou forasteiras ali cultivadas e acabam se
fragilizando a ponto de sucumbir de vez, deixando todo o habitat longamente
construído ao dispor das forasteiras. De modo parecido ocorre com a história.
E apenas
parecido porque a transformação está no cerne da própria história e ela não
seria possível sem a ocorrência de mudanças nos diversos estágios da sociedade.
Seria apenas um rio correndo lentamente se não irrompessem os acontecimentos
que tão bem a caracterizam. Diferente do que ocorre na natureza, onde o invasor
toma o lugar do outro, o acontecimento histórico permite a mudança sem o romper
com o passado.
Contudo, o
que vem acontecendo no sertão é a possibilidade de o exemplo da natureza
ocorrer com sua história, ou seja, a espécie forasteira acabar de vez com tudo
que ali foi longa e penosamente construído. Para se ter uma ideia, o ser
humano, enquanto forasteiro ou invasor, de repente acaba devastando tudo que
seja próprio de cenário sertanejo - desde a fauna e a flora aos sítios
históricos - e no seu lugar vai dando uma feição totalmente avessa às
características naturais do ambiente.
Verdade é
que a história do sertão nordestino vem sendo apagada com a destruição da
própria natureza. Porque nesta estão os cenários, os palcos e os locais
historicamente reconhecidos como importantes, a destruição destes ambientes
afetam a preservação daquela. Assim, as investidas desenfreadas do homem
perante o meio natural, modificando ou devastando tudo, e no seu lugar impondo
feições que nada resguardam das feições anteriores, vão apagando o que foi
construído por milhares de anos.
Um exemplo
claro vem ocorrendo na região onde está localizada a Gruta do Angico, na região
ribeirinha do São Francisco, no município sergipano de Poço Redondo, e que foi
palco da morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros. A exploração
turística do lugar vem sendo intensificada de tal modo que somente o local da
gruta continua sendo preservado, mas com seus arredores totalmente
transformados.
Quer
dizer, o turista que vai visitar o cenário da morte do líder cangaceiro acaba
encontrando apenas uma pedra grande, uma pequena fenda, uma placa com o nome dos mortos e algumas cruzes, mas nada daquele cenário ao redor que servia como explicação maior
para todo o acontecido. E não durará muito tempo para que o local da gruta seja
também transformado e ali reste somente a mera indicação de que um dia foi
palco do fim do cangaço.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Pois é caro Escritor Rangel, sem a preservação da memória, com o passar do tempo a história deixa de existir. Para mim, toda área que circunda a GROTA DO ANGICO estaria tombada. É o que penso.
Abraços,
Antonio Oliveira - Serrinha - Bahia
Postar um comentário