*Rangel Alves da Costa
Já
passados alguns meses, através de meu primo Paulino Gonçalves Lima, surpreendi-me
maravilhosamente com duas poesias enviadas em forma de retrato. Sim, poesias em
forma de fotografias, pois as imagens são tão encantadoramente impressionantes
que não há como não se imaginar perante os versos mais belos da natureza.
Contudo,
poesias sofridas, dolorosas, aterradoras, ainda que retratadas em imagens de
inigualável beleza. O fato: em Curralinho, nas beiradas do Velho Chico, os
barcos parecendo em leito grande, gordo, pujante. Mas não, apenas na rasura da
água, num raso que vai se estendendo quase até a outra margem.
Logo
abaixo, as ossadas de um rio triste, as entranhas de um rio destroçado pela
incúria humana, um rio padecente, morrendo aos poucos. Poesias tão belas e tão
medonhas. Mas poemas estendidos em Curralinho, no ribeirinho, no Velho Chico,
na vida. Que sejam logo reescritos pela própria natureza, antes que o homem
resseque tudo de vez.
Retratos
assim, onde as belezas da imagem tornam aparente uma realidade muito diferente,
assomam a cada dia. Pela lente, pelo registro da câmera, não há fotografia feia
do Velho Chico. Em todo retrato sempre o Rio São Francisco será avistado com
inigualável bem. E assim por que as pequenas embarcações estão ali ancoradas, as
águas parecem passar felizes e cheias de contentamento, as margens encantam
pelos majestosos das serras e montes, tudo sempre parecendo em perfeição.
Enviaram-me
outra bela fotografia. Umas três ou quatro canoas no rente das margens, um
azulado manso das águas, distâncias molhadas que vão seguindo até a curva do
rio, ao longe. Um leito perfeito, manso, encantador. Areais às margens, uma
casinha no outro lado do rio, serras e verdejamentos. Apenas a perfeição, a
magia, a plena admiração. Pela fotografia, um verdadeiro paraíso. Pelo retrato,
ainda aquele Velho Chico quase com afeição de outrora. Mas será que lá, no
mundo real, perante o rio, suas ribeiras e suas águas, é tudo assim mesmo?
Mais uma
fotografia: no mesmo local do rio, só que dessa vez está registrada a comunidade
ribeirinha, principalmente suas casas de calçadas altas, algumas árvores mais
abaixo, uma e outra pessoa nos vãos das portas, um jeito de viver muito pacato
e simples. Tal registro logo desperta a atenção. Imagina-se ali um lugar de
gente sempre feliz e contente, de viver prazeroso na beira das águas, até mesmo
um sonho para muitos que ali chegam ou a tudo avistam pelas fotografias. E mais
uma indagação: será isso mesmo?
No mundo
real, perante aquela realidade, logo se tem o distanciamento de toda essa
imaginação. Sim, o rio ainda corre belo, suas margens são sempre convidativas,
a comunidade ali presente é pacata e simples. Mas somente isso, pois no demais
é tudo às avessas, ou não representa nem parte daquilo que se imagina. Ora, o
rio está magro, ossudo, de pouca água. Nem de longe se compara com a pujança de
antigamente. Igualmente, entre a maioria dos habitantes o que se tem é a
pobreza, o entristecimento e a recordação dos dias idos.
As poucas
e rasas águas desde muito não permitem a chegada e partida das grandes
embarcações. Ali já não há porto, já não há comércio fluvial, já não há fluxo
sequer de pequenas embarcações. Os peixes sumiram, o alimento do pobre sumiu, o
pescador não lança mais sua tarrafa às águas. É apenas um rio com seu nome e
sua história, com sua poesia e seu sublime encanto, mas nada mais que isso.
Daí que a
beleza dos retratos, os chamados trazidos pelos retratos, já não correspondem à
verdade quando se está perante ou dentro do rio. Um rio que apenas passa. Uma
saudade que apenas fica.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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