*Rangel Alves da Costa
Filhos que amam seus pais e filhos que jamais
sentiram qualquer sentimento amoroso por aqueles que lhe deram vida. Filhos que
cultivam suas raízes e filhos que sequer querem saber de onde vieram.
Filhos que a todo instante agem como filhos,
e por agirem assim sempre respeitam, veneram e procuram preservar pai e mãe, e
filhos que a todo instante renegam seu berço familiar, a casa onde mora, o
sobrenome que carrega e, principalmente, sua herança de sangue.
Filhos que sofrem o mesmo sofrimento de seus
pais, que sentem a mesma dor dos seus, que se desesperam em momentos dos
desesperos que afetam os seus. E filhos que têm suas raízes como estorvo, como
pedras em meio ao caminho, como pessoas que desnecessariamente se preocupam com
suas vidas.
Filhos que dão a benção aos pais e filhos que
sequer dão bom dia ou boa tarde. Filhos que tudo fazem para não ficar distante
dos seus e filhos que quanto mais longe eles estiverem mais se sentem
confortados. Filhos que abrem a porta de seus lares com amor e filhos que amam
sair sem hora para retornar.
Filhos que perdem uma parte de si quando um
pai ou uma mãe se despede da vida terrena. Filhos que nunca se acostumam com as
perdas e continuam amando os seus como se ao lado estivessem. E filhos que só lamentam
quando seus pais não deixaram nenhuma herança.
Filhos que bebem da saudade dia após dia, que
choram de saudade, que sequer conseguem confrontar os velhos retratos. Filhos
que oram pelos seus ausentes, que fazem da memória e da recordação um vínculo
inseparável. E filhos que fazem do esquecimento uma forma de traduzir sua
negação familiar.
Como visto, existem filhos e filhos. Os pais
sempre são os mesmos, sempre serão pais, mas os filhos não. Filhos existem que
dizem amar depois da impossibilidade do amor real, vivenciado na existência.
Tiveram todo o tempo da vida para demonstrar tal amor, mas somente depois da
perda alardeiam os sentimentos.
Existem filhos e filhos. Incompreensível é
que um filho deixe de fruir, e com a máxima intensidade, a presença de seus
pais. Ora, os seus pais estão ali, e por que não uma demonstração de
reconhecimento, de amor, de filiação. Por que não estar pertinho deles, por que
não procurar saber como andam suas vidas, se estão precisando de alguma coisa?
Será que somente quando os pais se vão é que
os amores tardios devem ser revelados? Será que somente com a perda é que surge
o reconhecimento de quanta falta fazem, de quanto deixou de aproveitar a vida
ao lado deles, de quanto deixou de mostrar todo o amor sentido? Será que o amor
dos filhos pelos pais deve nascer do luto?
Não. A vida é frágil, é pouca, é um quase
nada. O que somos agora, amanhã já não seremos mais. Um dia nós iremos como
nossos pais se vão. Quem tem seus pais também poderá ter seus filhos. E um
filho que é pai gosta de ser renegado ou abandonado pelo que trouxe ao mundo?
Então por que fazer de conta que seus pais nem existem?
Filhos que amam seus pais nunca os abandonam,
nunca dizem não aos seus conselhos, nunca agem como se já fossem adultos e os
pais apenas uns velhos. Na verdade, aos olhos e sentimentos dos pais, nenhum
filho jamais fica adulto, pois sempre sua criança, sua cria, como se de eterno
berço. Não é mimo não. É amor, é cuidado, é medo da voracidade do mundo.
Filhos que amam os seus pais não esperam suas
partidas para sentir saudades. As saudades batem sempre, querem sempre
reencontrá-los, sempre sentem a necessidade de bater àquela porta ou de dizer “bença
pai, bença mãe!”. Que coisa mais linda do mundo! Filhos que amam, pais que se
orgulham de suas crias.
E fazer diferente da letra da canção caipira
Couro de Boi: um filho expulsa o pai de casa e a este dá somente um velho couro
de boi. Já na estrada, o netinho correu e foi pedir ao avô um pedaço daquele
couro. Ao retornar, o pai perguntou o porquê daquele pedaço de couro. Então ele
respondeu que o pai também ia ficar velho e aquele pedaço poderia ser também
colocado em suas mãos.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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