*Rangel Alves da Costa
Prefiro a
palavra matuta. Uma escrita que berre, que cacareje, que relinche alto. Prefiro
essa palavra suada, encourada, de gibão e roló. Uma escrita que tenha mato e
espinho, que tenha chão e mandacaru. Prefiro não ter nome de poeta ou de
escritor. Apenas sertanejo. O que sempre sou.
Prefiro a
palavra troncha, mal pronunciada, até errada. Uma escrita com flor de cacto e
também com o queimor da urtiga e do cansanção. Prefiro a palavra no calor do
sol, na dureza do barro do fundo do tanque, na desvalia de tudo. Prefiro não
ser visto como poeta ou escritor. Apenas das distâncias matutas. O que sempre
sou.
Prefiro a
palavra pouca, miúda, quase sem falar. Uma escrita humilde, de roupa rasgada,
de chapéu na cabeça e bolso vazio. Prefiro a palavra sem luxo, sem arrogância,
sem petulância, sem anel dourado. Uma palavra que venha como sopro de vento e
consigo traga o cheiro bom da natureza. Prefiro escrever para ser compreendido
ou mesmo apenas imaginado pelo meu irmão sertanejo.
Prefiro a
palavra cheirando a bolo de feira, a mungunzá, arroz-doce e doce de leite. Uma
escrita doce sem ser enjoativa, temperada na panela de barro e não no vasilhame
de cozinhas desconhecidas. Uma palavra que seja colocada no meio do pão, que
seja tomada com café batido em pilão, que desça na garganta como um amém.
Prefiro a palavra de mesa tosca e de tamborete, de rede armada e de lua maior.
Um dizer bem sertanejo.
Prefiro a
palavra montada em cavalo, correndo na mataria, sacolejada no lombo do animal
sobre a estrada de chão. Uma escrita povoada de bicho do mato, de ninho de
passarinho, de sombreado de arvoredo, de fonte d’água escondida. Prefiro a
palavra oca, seca, vazia como o fundo do poço. Uma palavra que não precise de rebuscamento
para ser entendida nem escrita com pontos e vírgulas para se mostrar
importante. A palavra sertaneja, apenas.
Prefiro a
palavra da mocinha tímida, do velho vaqueiro, da rezadeira, do curador, da
benzedeira. Uma escrita milagrosa como a folha do mato, a raiz de pau e a reza
mais forte. Prefiro a fé na escrita à descrença do palavreado bonito, quero
mais a letra caída como gota d’água num sertão esturricado ao caderno aberto
para o que jamais será lido. Uma escrita tão terna e cativante que seja como um
dengo, que seja como um cafuné. Uma palavra que vingue do fundo do pote e seja
bebida com a maior sede do mundo.
Prefiro a
palavra fugida da tocaia e da emboscada e renascida na força de sua própria
crença. Uma escrita nascida como benzimento, como prece e oração daquele que
sabe o valor de um povo. Prefiro carregar minha dita no fundo do embornal e do
aió, derreada na cangalha e no cantil, de modo que esteja ao meu alcance toda
vez que eu deseje mostrar ao mundo como é o viver sertanejo. Em cada palavra
minha não estará além do que a fundura da terra e a superfície do espinho
pontudo.
Prefiro
escrever vosmicê, oxente, vixe, cumé, adispois, munto, quarque, quartinha,
estambo, prumode, perfessor, arriba, fi da peste, cabrunco, lambisgóia, mio e
mió. Prefiro uma palavra assim. Escrita desconhecida da cidade grande. Uma
palavra que não seja nada. Mas que seja tudo pela feição descrita da terra
sertão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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