SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 5 de setembro de 2018

TUDO ISSO ME ENCANTA!



*Rangel Alves da Costa


Sou sertanejo das distâncias, lá do sertão sergipano, e cada sertanejice que vejo me deixa mais soberano. Na feira o pote e o abano, roupa feita e pedaço de pano, prosa de fulano e sicrano. Um cheiro de coisa boa, tanta fruta que amontoa, carne de gado e leitoa, tudo pra escolher dependendo da pessoa. O vendedor de farinha, o tempero da cozinha, capão gordo e galinha, e também peixe sardinha. Pote de barro e moringa, garrafa cheia de pinga, lavanda que aberta respinga a bela flor da caatinga. Panelada de comida igual a que Jarde fazia, a fome se faz desabrida e pede comida em bacia. Manoê e macasado, pastel no óleo assado, caldo de cana gelado. Rolo de fumo e sal grosso, um converseiro, um alvoroço, coisa tão própria do Poço. E o vendeirim vai chegando, quase falando e cantando, pra vender o seu milagre que no tabuleiro vem carregando. Remédio pra espinhela, remédio pra dor na goela, pra curar erisipela, pra apaixonar a donzela. Tem óleo de peixe boi e pomada milagreira, cura ferida e frieira, o machucão da brincadeira. Tudo isso me encanta e me faz mais sertanejo, amo tudo o que vejo e de tudo tenho desejo, mas o que eu mais queria é que daqui a cem anos e dia as futuras gerações sentissem a mesma alegria.
E no meio da feira ainda ouvir aquilo que o coração quer sentir:

Eis o cordel da donzela
moça flor de maior formosura
que vivia na sua janela
na mais sublime compostura
se achando a Cinderela
queria um príncipe à altura

mas um dia a tão singela
eis que se danou em loucura
chamava moringa de panela
de lua brilhosa em escura
e saio no mundo pela cancela
dizendo ser o príncipe sua cura

tanta loucura era a dela
que tudo se fazia em amargura
todos pranteavam por ela
e ela na naquela clausura
um dia subiu no altar da janela
e foi deu adeus à sua brandura.

O cordel vai sendo cantado e passado de boca em boca. Tudo ali é muita coisa, nada de coisa pouca. Conta-se a história da viúva e as aventuras da louca, o que importa é contar até a voz ficar rouca. Também grita o vendeirim querendo vender o seu mel, mas logo se ouve um escarcéu entre duas sertanejas rasgando papel e véu, tudo por causa de macho e o seu belo chapéu. Arroz doce e mungunzá, erva e folha pra chá, nambu gorda e bonita e a perna de preá. Bala doce e pirulito pra molecada chupar, manga doce e cajá, broa de milho e juá. Tem de tudo nessa feira, de coisa séria a besteira. Mas ninguém perde uma só, e se falta o dinheiro é coisa de fazer dó, querendo comparar um tiquinho e do tempero nem o pó. Vá lá você mesmo e veja, escolha o que mais deseja, duvide que não volte de novo onde a melancia esteja.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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