*Rangel Alves da Costa
Do lado de
dentro ou de fora. De dentro da casa velha ou do lado de fora, na solidão da
malhada, não importa. Tudo é sertão!
Curral de
tora potente ou de garrancho de pau, não importa. Não importa que seja muito
gado ou apenas uma ou duas vaquinhas. Tudo é sertão!
Pote d’água
antigo, moringa molhada ao amanhecer da janela, tamborete no meio da sala e um
velho baú pelos cantos. Tudo é sertão!
Menino
brincando com ponta de vaca e vaca mugindo no pasto. Menino correndo atrás de
calango e calango no alto da pedra. Tudo é sertão.
Moca bela
na janela, sonhando com seu príncipe encantado, e mais adiante o encantamento
da amarela flor da catingueira. Tudo é sertão!
Um
entardecer que chega, um sol afogueado que vai sumindo, um fogaréu chamejante
desaparecendo no horizonte, até tudo escurecer. Tudo é sertão!
Lenha
colhida no mato antes de a chuva cair, fogão de chão aberto em quintal, e por
cima uma grelha para o toucinho ou pedaço de qualquer coisa. Tudo é sertão!
Pastagem
esturricada de sol, poeira solta pelos espaços, caminhos ardentes e plantas
murchando entristecidas, quanta tristeza e agonia na vida. Tudo é sertão!
João
catingueiro, Maria lenhadora, Bastão caçador, Zefinha parteira, Inácio
vaqueiro, Jurema dona de casa, Licurgo mateiro, Donana doceira, Tiziu sofredor.
Tudo é sertão!
Uma lua
bela numa noite de breu. Um proseado adiante da casa, uma viola de pinho, uma
talagada de pinga e uma saudade grande. Alguém chora bem baixinho. Tudo é
sertão!
Saudade de
Tonico que arribou no pau-de-arara e ainda não voltou. Filozinha todo dia
espera uma carta sua. Ele disse que vai voltar, mas o tempo passa e nada. Tudo
é sertão!
Um quintal
de farmácia e de benzimento, de cura e até de milagre. A velha rezadeira vai
juntando folha, ramos e o inusitado, e basta uma prece para a cura chegar. Tudo
é sertão!
Um chão de
espinho e uma desolação. Dia após dia e nada de chuva. Quando a porta é aberta
e nada de nuvem, então os olhos lacrimejam o sofrimento e a dor. Tudo é sertão!
Um cesto
de palma, um tiquinho de água. Tanque secando e o barreiro no barro. Não demora
muito e tudo acaba de vez. Teme-se até pela vida em meio à sequidão. Tudo é
sertão!
O sol em
fornalha tanto queima como devora a vida. Não há planta que dê um sorriso, não
há arvoredo que ainda tenha folhagem. Tudo parece viver pra morrer. Tudo é
sertão!
O
anoitecer traz uma saudade. O radinho de pilha faz lembrar-se de alguém. As velhas
cartas já não chegam mais. Um forasteiro ou outro traz notícia do mundo. Tudo é
sertão!
O vento
soprando parece um grito. A folhagem zune querendo falar. O bicho se esconde
com medo de tudo. A lua lá em cima se faz testemunha. Tudo é sertão!
Amores
desfeitos, amores distantes. Um luto de vivo pela dor da ausência. Uma partida
demorada a voltar. A porta aberta e ninguém pra entrar. Tudo é sertão!
Canta o
silêncio pela ausência do pássaro. Sabiá sumiu, sumiu a rolinha. A canção
passarinheira já não se ouve mais. O bicho voou e não quis mais voltar. Tudo é
sertão!
Aquele
passado que insiste em ficar. Casas abandonadas, chiqueiros vazios, janelas
fechadas e portas cerradas. Os fantasmas passeiam nos escombros de agora. Tudo
é sertão!
Uma panela
de barro em riba de fogão. Um cheiro cheiroso e uma fome das grandes. Qualquer
coisa serve na vida sem luxo, qualquer pão é pão na grande riqueza. Tudo é
sertão!
Uma
melancia, um feijão de corda. Uma espiga de milha, uma abóbora leiteira. O
fruto da terra é tudo na vida. E sem o brotar não há a existência. Tudo é
sertão!
As mãos
calejadas, a face lanhada de tempo e de sol. O chapéu de couro e os olhos
profundos. Quer viver, quer estar, quer sentir o seu mundo. Pois tudo é sertão!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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