SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 6 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 44 (Conto)

DESCONHECIDOS – 44

Rangel Alves da Costa*


A história de Soniele, ou ao menos o que Sofie dela conhecia, causou uma enorme comoção em todos. E isto porque para chegar ao desfecho, aos instantes que antecederam a sua partida, foi preciso falar sobre o amor não correspondido que Gegeu sentia e até no incidente que acabou lhe tirando a vida.
Enquanto Sofie emotivamente, e até lacrimejando de vez em quando, contava tudo o que sabia sobre ela e sobre os dois, o velho coronel caminhava pelos arredores com um lenço na mão que não se cansava de procurar os olhos.
Dona Doranice parecia pasma, emocionada demais com aquilo tudo, com uma história tão bela e ao mesmo tempo tão trágica. Parecia que ia chorar a qualquer instante, e para espantar maior sofrimento íntimo precisou recorrer a mais uma talagada da cachaça branquinha do engenho.
Contudo, um dos presentes àquela reunião agora tão entristecida pegava carona nos relatos sobre a jovem, bela e amada prostituta e fazia uma viagem inesperada. Yula estava verdadeiramente encantado com o que ouviu sobre a Jasmim de Fogo, sem ao menos imaginar que por esse apelido ela também era conhecida.
E na sua mente veio à imagem de uma linda jovem, uma verdadeira princesa do agreste, com sua pele de uma morenice clara, da cor de jambo tocado pelos raios do sol, cabelos negros, lisos e longos esvoaçando no vento brando das tardes sertanejas, de feições finas e bem definidas, pele lisa e sorriso perfeito.
E como ela tinha o caminhado bonito, vindo festivo e lentamente em sua direção, tomada naquele corpo copiado de uma das deusas mitológicas da perfeição, com passo curtinho, pés descalços na areia da praia, pés descalços em qualquer estrada, estendendo sua mão de dedos pequeninos e finos e chamando para passear.
E lhe veio um sorriso, e ergueu os olhos para cima, para fixá-la melhor na imaginação e na memória. E ficou ainda pensando se ela se aproximasse mais, se ela chegasse diante de si, se ela olhasse nos seus olhos, se ela lhe desse um sorriso, se ela lhe desse um beijo. E se ele, e se ele... Mas não podia ser, era sonho demais, era tudo bonito demais, e os dois ali rolando pelas areias e se entregando ao amor e às ondas... Vida de amor banhado de mar...
“Yula meu filho, você está bem?”, perguntou a viúva, chagando a tocar no seu braço para ver se descia daquela altitude que havia alcançado, se descia do sonho com a doce e meiga Soniele. “Desculpe Dona Doranice, estou bem sim, é que eu estava com o pensamento bem longe, muito mais longe do que a linha do horizonte possa imaginar...”.
“Lembrando de alguma namoradinha que deixou lá no sul, não é mesmo?”, indagou Sofie, agora num ambiente menos dolorido, permitindo até que falasse mostrando um leve sorriso.
“Acertou Dona Sofie, pois estava pensando mesmo num grande amor. E vocês não imaginam nem um pouquinho como minha namorada, esta mesma que me povoa agora, é meiga, doce, bela, rainha, princesa, tudo na minha vida. Se eu fosse poeta faria um poema agora mesmo e declamaria embaixo da janela, perto da lua, num raio de sol, na chuva ou na brisa do entardecer, em qualquer lugar, mas sempre com uma flor na mão, e diria mais ou menos assim: Flor jasmim, amor sem fim, tudo em mim, a ser dividido no amor de nós dois...”.
Necessariamente surgiram aplausos, para em seguida o coronel, matreiro velho, conhecedor por demais dessas pequenas nuances do amor e já tendo percebido o que havia atiçado o coração amoroso do rapazinho, disse pra que ele ouvisse bem: “Mas que coincidência na sua poesia meu rapaz, pois os apaixonados pela mocinha Soniele também a chamavam de Jasmim, Jasmim de Fogo”.
“Por que de fogo?”, inocentemente perguntou a viúva. Após pigarrear, quase engasgar diante da pergunta feita, a ex-patroa da mocinha procurou remediar como pôde: “De fogo, de fogo porque ela gostava de usar umas roupas bem vermelhas, de um vermelho parecendo chamas de fogo. É isso, isso mesmo...”.
“Não...”, entrecortou Yula, ainda tomado por sentimentos de paixão: “Jasmim de Fogo porque ela roubava o fogo do deus Prometeu para eternamente chamuscar de paixão os corações de todos que sobre ela lançavam um olhar”. E chegava a suspirar imaginando a deusa.
“Foi longe em menino, foi buscar a inspiração dos apaixonados. Será que?”, terminou indagando a ex-patroa. “Isto mesmo Dona Sofie. Agora sei. Sou um homem completamente apaixonado pela minha amada que essa hora está muito distante, num lugar quem nem posso imaginar, mas em Nova Paulo, lá nas terras de onde vim”.
O coronel agora sorria por dentro, já tendo captado tudo. Chamou Yula num canto e perguntou baixinho: “Se eu lhe fizer uma pergunta não fique com raiva desse velho rabugento não viu, mas você gostaria de um dia conhecer a mocinha Soniele, a tal Jasmim de Fogo?”. E o rapazinho ficou totalmente sem cor, emudecido, nervoso, sem saber o que fazer, envergonhado demais, procurando um buraco para se meter. “Vá, meu jovem, fique calmo e me responda, afinal aqui é conversa de homem pra homem. Gostaria de qualquer dia desses conhecer Soniele?”.
“Mas não sei nem de quem o senhor está falando”, foi o que conseguiu responder, mesmo sabendo que desejava responder de outra forma. “Saberá sim. Venha cá dentro daquela outra sala, por favor”. E seguiu sendo acompanhado por Yula que mal conseguia andar.
Chegando ao local, o coronel se aproximou de uma bela escrivaninha e falou: “Aqui dentro desta gaveta há um segredo que não revelo nem mostro a ninguém, nem a Sofie. Há aqui uma fotografia que meu filho guardava nas suas coisas com o maior cuidado do mundo, pois é o retrato da mulher que ele tanto amava, que é a mesma Soniele. Se você quiser eu mostrarei e verá se seu coraçãozinho também está com razão”.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: