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quinta-feira, 24 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 62 (Conto)

DESCONHECIDOS – 62

Rangel Alves da Costa*


Diante do inesperado problema, mais um dentre tantos que se somava por toda parte, a viúva tinha que pensar no jeito mais rápido de resolvê-lo. Não tinha tempo para ficar dias em um só lugar cuidando disso ou daquilo. Parece que o vento espalhava sua passagem e aonde chegava já tinha multidões com lágrimas nos olhos e mãos estendidas. Por isso que tinha de seguir logo adiante, mas somente após encontrar meios para diminuir aquela aflição familiar.
Oh, meu Deus, se biscoitos resolvessem o problema seria muito fácil, pensava ela. Se uma fábrica de biscoitos curasse uma dor de uma família que se via agora sem o seu guardião seria também muito fácil. Mas nada economicamente possível teria o poder de amenizar a dor até que a própria vida lançasse sobre aquelas pessoas os seus antídotos.
Saiu um pouco, chamou um dos seus assessores e deu algumas ordens ao ouvido. Mandou que providenciassem imediatamente comida farta para a mãe e os meninos, trouxessem alguns brinquedos e o restante resolveria mais tarde. Reuniu novamente a família e disse que por enquanto não lhes faltaria nada e logo mais daria uma boa notícia para diminuir um pouco a tristeza.
Chamou a mãe num canto e ao lado da jornalista disse baixinho:
“Vocês têm que sair imediatamente dessa casa. Não pelo lugar, pois as pessoas ao redor são honestas e boas, mas porque é impossível que você continue criando filhos ainda pequeninos nesse casebre sem ter praticamente nada. Os meninos não podem continuar vivendo dormindo pelo chão, pisando descalços em tudo que se espalha nesse chão de terra batida. Se der um vento mais forte corre o risco do que resta das paredes e do telhado caírem por cima de todos e provocar uma tragédia ainda maior. Por isso vou presentear vocês com uma casa melhor, maior e num local onde eles corram menos risco. Já mandei comprar a casa e só vou sair daqui quando passar a escritura em seu nome. Depois vou colocar as chaves em suas mãos e fazer com que vocês entrem nela tendo algum lugar pra sentar, deitar, comer. Por falar nisso, providenciarei comida por uns dias e deixarei uma quantia para outras necessidades mais urgentes. Sei que você não pode trabalhar por causa dos filhos pequenos, mas experimente produzir alguma coisa em casa mesmo, como doces, bordando toalhas, fazendo crochê, qualquer coisa que possa lhe ajudar no sustento. Quero o endereço de sua tia lá na capital que é pra ela providenciar a certidão de óbito de seu esposo, pois com esse documento você pode pedir aposentadoria. Vou ver se encontro o responsável pelo encaminhamento da aposentadoria que estiver mais próximo e já deixo tudo certo, só faltando que você vá até lá depois entregar os documentos. E tem só mais uma coisa. Você agora é viúva e viúva com cinco filhos pra criar. Se quiser arrumar outro marido não tem nada que impeça não, mas não esqueça do tipo de gente que você pode encontrar e principalmente dos seus filhos, pois tem homem que só quer a mãe e deixa os filhos dela pra lá. Por isso pense bem no que estou dizendo...”.
A mulher nem se fala, pois de cabeça baixa soluçava sem poder dizer uma só palavra, mas também chorosa estava a jornalista Cristina em ver uma mulher daquela idade tomar tantas atitudes benevolentes a um só tempo. Que coração o dessa mulher, ficava pensando enquanto a senhora falava, só Deus sabe como se sentindo por dentro.
Com a força e a agilidade que o dinheiro sempre proporciona, no dia seguinte a família já pôde entrar na nova casa. Dona Doranice, agora sempre acompanhada pela jornalista e os dois rapazinhos, passou por lá para se despedir e avisar que assim que o documento chegasse fosse procurar o responsável por determinada repartição que já estava aguardando. Tirou uma fotografia junto de todos e dessa vez aos prantos. Não se sabe de onde saiu, mas ganhou uma flor daquela pequenina dos biscoitos. Era de plástico, caindo aos pedaços. Mas que primavera mais plena!
Partiu já ao entardecer. Não havia pressa de partir, mas sim de chegar ao lugar mais próximo, sabendo que a mesma via dolorosa seria percorrida para ajudar seus conterrâneos. E que bom fazia isso ao seu coração, agora parecendo mais remoçado e pronto para as mais duras batalhas. Às vezes esquecia de tomar seus remédios e nem por isso sentia qualquer problema.
Não havia tido tempo ainda de ter uma conversa mais demorada com a jornalista. Todos compreendiam perfeitamente as razões. Mas dessa vez a aventureira Cristina seguia junto com o grupo como convidada. Como bem deixou claro a viúva ao fazer o convite, se sua intenção era viajar sem destino certo então deveria segui-los, ao menos até quando resolvesse tomar outro rumo.
Haviam deixado centenas de mãos acenando adeus e o veículo seguiu em frente por uma estrada de terra batida. Já estava escurecendo quando, a uns três quilômetros adiante, viram um carro pequeno sair de uma estradinha ao lado e colar na traseira do micro-ônibus. Pouco depois só ouviram tiros. Os pneus foram atingidos e o motorista perdeu a direção, pendendo para um lado e seguindo diretamente para uns labirintos de beira de estrada.


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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