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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 15 de março de 2011

MEUS AMORES (Crônica)

MEUS AMORES

Rangel Alves da Costa*


Não sei se sou o maior dos amantes, porém não tenho dúvidas de que tudo que amo, amo demais.
Amo demais e exageradamente amo coisas e objetos que me cercam, me rodeiam e vivem ao meu lado. Não falei em pessoas porque é complicado falar sozinho sem ter a certeza do sentimento do outro lado.
Mas como disse, amo pequenas coisas, objetos muitos simples e pequenos seres que existem quase imperceptivelmente. É muito fácil amar demais essas coisas porque sei que silenciosamente sou correspondido.
Ao menos nunca me fizeram desgosto, causaram raiva ou qualquer tipo de contrariedade. Quando muito não estão no lugar que desejo encontrar e se tornam objetos de minhas iras passageiras.
Essas, trecos, bocados, restos, vestígios, retalhos, pedaços de um passado, fui juntando ao longo do tempo, guardados com muito cuidado porque achei por aí, comprei num lugar qualquer, ganhei como lembrança ou simplesmente encontrei e me senti como dono.
O meu avô paterno, lembro bem, andava todo charmoso com o seu chapéu e relógio de bolso, desses bem antigos, grandes e bonitos, que nunca falhavam na hora. Tinha certeza que um dia aquele objeto seria meu e acabei implorando à minha avó que me desse aquela lembrança. Nunca usei, guardei comigo como relíquia familiar.
Muitas vezes dizem que sou meio adoidado e até parece que sou mesmo. Um dia cismei com um pilão todo de madeira de lei, batendo café, milho e arroz desde os tempos da escravidão, e não me acalmei enquanto não consegui o dito objeto.
Agora me perguntem, o que iria fazer um pilão tão antigo dentro de uma casa tida como moderna? Tudo. Simplesmente tudo porque me faz bem ter a história perto de mim, a vida de gerações ao meu redor, toda uma história em cada olhar que eu lanço naquele objeto agora mais conservado e envernizado.
Minhas fotografias são guardadas e até expostas como se fossem eu descansando de tanta caminhada e me dizendo que estão querendo a presença de outras e muitas outras fotografias ali.
Às vezes duvido, fico pensando como tudo passa rapidamente e muda sem que a gente perceba, mas aquele menininho chupando bico sou eu; aquele garotinho seminu, magro e meio matuto sou eu tomando banho de riacho; aquele rapazinho sorridente de roupa nova de festa também sou. Tantos momentos e todos estão lá, o meu ontem, o meu hoje e o meu quase agora.
Quase agora porque somente o meu velho e amarelado espalho tem competência para dizer como estou. Mas ele é meio suspeito, é meu amigo, e por isso sei que muitas vezes não quer refletir a verdade.
Mas se ele soubesse de uma coisa talvez até nem quisesse me ver mais em sua frente. É que não deixo de levar, seja lá pra onde eu vá, um espelhinho arredondado e pequenino, desses que só vende em mercado de interior, que tanto me ajuda na hora de saber como estou.
Meus livros preferidos, que guardo com tanta paixão desde criança, jamais empresto ou deixo que folheiem de qualquer jeito. Tenho certeza que “O meu pé de laranja lima”, “Fernão Capelo Gaivota”, “O pequeno príncipe” e “O apanhador no campo de centeio” gostam muito de mim porque cuido deles com muito amor.
Os meus despretensiosos textos de antigamente, tudo escrito cuidadosamente em letra de forma, refletem meus sonhos de poeta e as primeiras estórias que comecei a contar. Até hoje fico fuçando nos meus guardados para encontrar um personagem que ficou perdido na estrada ou colocar uma flor na janela do meu amor infantil. E todas as vezes que busco no passado minhas motivações, sinto que nada mudei senão o jeito mais triste de ser.
Já amei criar passarinhos, até uma oncinha já criei lá no quintal do interior. Naquele tempo tinha de tudo caatinga, tinha bicho e tinha natureza. As fotografias que guardo não me deixam mentir. Hoje só tenho um cágado, cinco plantas que coloco água todos os dias e uma vontade danada de morar no meio do mato.
Mas tem outras coisas que amo mais que tudo na vida. É a noite e sua cor, seu mistério e seu espanto; é o entardecer, mesmo que seja para sofrer; é a essencial solidão que me faz mais presente comigo mesmo. É você...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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