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sexta-feira, 18 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 56 (Conto)

DESCONHECIDOS – 56

Rangel Alves da Costa*


Assim que o coronel percebeu João se aproximando, interrompeu a conversa com os seus acompanhantes e acenou com a mão pedindo que ele chegasse mais perto. Coitado do pescador, ser chamado pelo famoso homem fez com que o nervosismo aparecesse e as pernas nem quisessem caminhar direito. Mas foi assim mesmo atender ao chamado.
“Pois não senhor, sou morador daquela tapera ali e tava só olhando a movimentação. Mas o que o senhor deseja mesmo?”. E o coronel pediu que se aproximasse ainda mais do grupo e começou a falar.
“Coisa boa que você é ribeirinho, é morador dessa beirada de rio e conhece muito bem esse lugar. Deixe eu logo me apresentar. Sou Demundo Apogeu, morador de Mormaço e com casa por todo lugar, com umas terrinhas e um gadinho também. Mas vamos ao que interessa. Esses dois senhores que estão aqui são mestres-de-obras e vieram comigo para verificar a possibilidade de se construir uma igrejinha no alto de uma dessas serras. É coisa de minha mulher e uma senhora amiga dela, mas deixe isso pra depois. E pelo que eu tava olhando cada lugar dessa beirada tem uma serra e em cada serra cabe a construção. O que você acha meu rapaz? Como morador e conhecedor de cabo a rabo de tudo isso aqui, qual o melhor lugar pra que seja construída a tal igrejinha, bem defronte ao rio, como se estivesse abençoando as águas que correm e toda a vizinhança?”
Mais aliviado com a receptividade, agora todo encorajado, João opinou: “Do jeito que o senhor coronel diz que quer a igrejinha, acho que ela vai ficar muito bonita bem ali, bem em cima daquela serra, bem diante da gente, na chamada Serra dos Desconhecidos...”. “E por que desconhecidos?”, perguntou o coronel, com repentino interesse.
“Ah, coronel, é uma história bem longa e nem dá tempo pra contar tudo, pois já tá no entardecer”. Disse o pescador, mas com um medo danado de não ofender ao ilustre visitante. “Deixe de besteira rapaz, vamo lá, conte, pode contar que me interessa muito esses causos de beira de rio”, sentenciou. Sem saída, João disse que ia tentar ser bem curto, e começou:
“Dizem que antigamente essa serra tinha um formato diferente, não era assim não como a gente vê hoje, assim quase dividida em duas. E dizem também que dentro dela vivem pessoas desconhecidas, pessoas boas e ruins, que não fazem outra coisa a não ser lutar entre si pra ver quem vence, se é o bem ou o mal. Essa história começou quando os mais antigos já diziam que, não se sabe por que nem como, pessoas eram vistas chegando por um lado ou outro da serra e simplesmente sumiam dentro dela. As pessoas boas chegavam sempre daquele lado, enquanto as pessoas ruins chegavam sempre pelo outro lado, mas ninguém conseguia atravessar a serra toda, pois era como se fosse engolido por ela. A coisa só começou a mudar quando um padre também desconhecido chegou e ficou por três dias e três noites perto da serra rezando para que a maldição ou o enfeitiçamento saísse de lá. Espalhou água benta pelos arredores, mas morreu de repente quando deu o trabalho por terminado e sem saber se tinha dado resultado. Acabou que as rezas e a água benta do homem acabou dando certo, vez que ninguém mais soube de pessoas desaparecendo ali. Mas a estória continua e todo mundo ainda diz que o povo ainda continua lá dentro, brigando entre si pra ver quem vence. O pior é que dizem também que tanto o mal como o bem vai sair de dentro da serra e as pessoas que representam ou o bem ou o mal vão descer de lá e se espalhar no meio de nós. Por isso é que até hoje o povo ribeirinho fica torcendo pra que o bem vença, porque senão vai ser a destruição de tudo isso aqui...”.
“Que bonita e triste estória. Mas por que a serra ficou parecendo dividida em duas?”. O coronel interrompeu para perguntar.
“Ah, ia me esquecendo dessa parte, mas vamo lá. Se o coronel olhar bem pra serra vai ver que cada uma daquelas partes diferente que forma ela se parece com dois rosto bem grande ali esculpido pela natureza. Pois bem. Dizem que o rosto do lado de cá parece sorrindo, enquanto o outro tá mais fechado e carrancudo. Assim, um lado é o do bem e o outro é o da maldade, segundo diz a lenda”.
“Então vamos construir a igreja bem no meio da bondade e da maldade, quem sabe assim tiramo a coisa ruim do outro lado e acabamo de vez com essa briga lá por dentro, como diz a estória”. Disse o coronel aos dois mestres-de-obras. E se voltando mais para João pescador, falou:
“Pois pode avisar a esse povo ribeirinho que vou mandar construir uma igreja bem ali, bem em cima da Serra dos Desconhecidos. O material e os trabalhadores já estarão por aqui amanhã, mas se alguém do lugar quiser ajudar a levantar a obra vai ter também o seu ganho. Pode avisar a todos e diga também que não estranhem os trabalhadores não, pois nem vão dormir aqui. Todo dia eles vem e volta, até que a igrejinha fique construída”.
De forma totalmente inesperada para o pescador, o coronel colocou o braço no seu ombro e pediu para que se afastassem um pouquinho, e enquanto caminhavam lentamente o homem foi dizendo: “Já tinha andado por aqui, mas nem me lembrava mais como esse lugar é bonito. Agora com a proteção dos santos vai ficar melhor ainda. Por isso estou até pensando em mandar fazer uma casa no outro lado do rio, logo abaixo da igrejinha, bem ali perto daquelas casinhas. Você conhece os donos daquelas casinhas? Será que eles não estariam prontos a vender não?”.
“Mas coronel, ali é de ninguém e tá tudo abandonado. Se o senhor chegar ali vai ver que num resta nem mais um pé de pessoa. O problema é que eles não saíram de lá porque queria não, mas porque foram expulso por um doutor que diz que é dono daquela beira de rio. Já imaginou coronel, a pessoa, porque é doutor, querer ser dono de beira de rio?”.
“Sabe o nome desse doutor”, perguntou o coronel. E João pescador coçou a cabeça pra ver se lembrava o nome do homem. “Doutor Beraldo, acho que o nome dele é esse mesmo, doutor Beraldo”.
“Então deixe comigo. Conheço o cabra, e muito. Só vou mandar perguntar a ele desde quando é dono de beirada de rio. E o mesmo portador do recado vai perguntar quando ele vai me pagar o dinheiro que me deve”. Disse o homem, acendendo um charuto.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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