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quinta-feira, 17 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 55 (Conto)

DESCONHECIDOS – 55

Rangel Alves da Costa*


Ao entardecer, e antes de fazer sua rotina de meditação e entristecimento por cima do rochedo, João pescador saiu pelos fundos de sua tapera e foi cortar lenha mais adiante, perto de umas catingueiras velhas e de troncos já ressequidos. E foi nesse instante que avistou uma pessoa remexendo por dentro de um casebre abandonado, totalmente às ruínas, que quem estava fora percebia quase toda movimentação lá dentro.
Era Aristeu, o profeta, imaginando que havia encontrado um teto abandonado para se acomodar enquanto estivesse naquelas redondezas. Imaginando porque de casebre ali não existia mais praticamente nada, com todo o barro já caído e apenas umas estacas sustentando aquele quadrado.
Para quem conhecia muito bem como era viver no lugar mais inusitado, pois passou longo tempo morando dentro de uma caverna em cima de uma montanha, ali até que dava para se virar bem. Ao menos podia sair de lá a hora que quisesse, tinha o rio ali pertinho e o peixe fresquinho, e deveria existir qualquer coisa na mata que servisse como prato de sabor diferenciado.
Mas quase não comia e nem bebia, quase não fazia nada na vida a não ser querer enlouquecidamente desvendar o mistério do Rio São Pedrito e, por consequencia, olhar qualquer dia nos olhos da velha senhora e da criança para sentir de perto os sinais da revelação. Mas ainda não tinha visto nenhuma presença disso.
Ao observar a movimentação, João pescador logo imaginou se tratar de mais um errante que ficaria ali por uma ou duas noites, ou até mesmo apenas parando para descansar de uma viagem longa, de um percurso ainda a ser feito. Mas a pessoa se mostrou totalmente ao sair por um instante na entrada e ele não teve dúvidas de que se tratava da mesma pessoa que havia encontrado na beira do rio falando sobre um tal passarinho que havia sumido e o mesmo avistado pela mocinha Soniele logo após o enterro.
Deve ser mais de passagem por aqui, sujeito meio estranho, todo esquisito no jeito de ser e vestir, que ainda não sei se tá de caminhada ou com alguma intenção de se amoitar alguns dias. Deve ser apenas mais um dos tantos que chegam e vai fazendo desse lugarzinho o canto encontrado para dormir. Mas se não me engano, já tem quase três dias que ele caminha feito bicho escondendo seus passos. Foi o que pensou consigo mesmo João, seguindo rumo à lenha para o fogo de mais tarde.
Ao voltar carregando o fecho de lenha, passando ainda mais pertinho da casinha do desconhecido, João pescador disse a si mesmo que se ele continuasse por ali no dia seguinte iria puxar um proseado pra ver se descobria quem ele era e o que estava fazendo no lugar. Pelo vulto avistado, ele estava lá dentro.
Depois que colocou a lenha em ponto de acender, João saiu da tapera para a rotina do seu entardecer sentimental. Contudo, enxergou uma canoa maior e diferente daquelas que conhecia encostando mais adiante da beirada do rio. Ficava um pouco mais afastado que era para não correr o risco de encalhar nas areias se acaso as águas baixassem muito.
E viu quando três pessoas desceram e colocaram os pés no rio com as águas quase na cintura. Foram vencendo o pequeno percurso até chegarem à terra firme. E o mais idoso entre os três, um senhor mais alto e carregando um chapelão sobre os cabelos brancos foi logo reconhecido pelo pescador, que estava como que estático observando a diferente movimentação. Mas não pode ser, meu Deus! O que será que o coronel Demundo Apogeu está fazendo por aqui nessa hora da tarde, talvez vindo de uma de suas fazendas lá pra baixo?
De cima a baixo, por toda aquela região e além fronteiras, o coronel Demundo Apogeu era por demais conhecido. Sua riqueza, suas histórias, a vida de tantas lutas vencendo inimigos, até mesmo lendas inventadas em torno da pessoa, tornavam aquele homem o mais temido e reverenciado. Era difícil, quase inadmissível que alguém por ali não conhecesse, não tivesse ouvido falar ou não tivesse vontade de conhecer o afamado senhor de Mormaço. De Mormaço e por quantas léguas se podia imaginar mais adiante.
A primeira vez que João pescador havia ouvido falar sobre o coronel foi até num caso engraçado. Segundo lhe contaram num pé de balcão, um dos seus amansadores de cavalo brabo, rapaz forte e vistoso, se engraçou pela filha única do morador mais pobre da fazenda, morador de lá dos mais antigos. Só que o cabra, com uma conversa sabida demais, foi se achegando no ouvido da pobrezinha, fazendo com que ela perdesse as forças para dizer não.
E então ela emprenhou escondido dos pais e depois o rapaz disse que não tinha nada a ver com aquilo e que ela fosse se ajeitar com o verdadeiro culpado. A verdade é que essa conversa chegou ao conhecimento do coronel que mandou chamar imediatamente o pai da mocinha pra perguntar o que queria que fizesse com aquele cabra safado. Então o pobre trabalhador, com a maior simplicidade do mundo, disse que queria apenas que ele casasse com sua menina, mesmo que não fosse viver com ela debaixo do mesmo teto.
Se é honra, disse o coronel, então que se cumpra o desejo dos homens de bem. Então fez o rapaz casar no dia seguinte e o ameaçou dizendo que nos próximos dez anos ele não poderia sair da fazenda de jeito nenhum e que, ainda que não dormisse na mesma cama, tinha que morar com ela, agora sua esposa. E a partir daquele instante no seu ganho já seria descontado para ajudar na gravidez e seguindo assim até que a criança nascesse e crescesse. Mandou construir casa, mobiliar e tudo o mais. Chamou o rapaz e entregou a segunda chave.
Mas o rapaz quis dar uma de esperto e fugiu da fazenda sem deixar sombra. E segundo ainda contaram ao pescador, o danado não foi muito longe não. Depois que foi encontrado não foi mais a lugar nenhum, senão pra debaixo da terra. Essa uma das histórias sobre o coronel que ele já tinha ouvido contar. Mas tinham muitas e muitas outras.
Tinha ouvido falar também do triste acontecimento da morte do filho dele, mas não gostava nem de pensar nessas coisas tão trágicas envolvendo mulher, pois o rapazinho tinha feito a besteira por causa de uma rapariga. Quem teria sido essa danada? Ficou pensando enquanto via o coronel conversando com os dois acompanhantes e apontando pra cima de uma serra e outra.
Vixe Maria, mas será que o coronel tá querendo comprar essas serras também? Perguntou-se João, já se encaminhando para mais próximo da pequena comitiva.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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