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segunda-feira, 7 de março de 2011

MUDANÇAS RADICAIS (Crônica)

MUDANÇAS RADICAIS

Rangel Alves da Costa*


Como estava se sentindo tristonho e deprimido, sem qualquer autoestima e a ponto de explodir a qualquer instante, dia desses acordou verdadeiramente decidido a dar uma guinada na vida, se impor mudanças significativas para dar validade ao destino.
A primeira coisa que pensou em fazer foi em mudar de nome. Estava cheio das pessoas chamando aquele nome esquisito, que não suportava mais, preferindo até mesmo quando o chamavam por apelidos.
A partir daquele instante seu nome seria outro e pronto. Quem continuasse chamando pelo nome antigo diria logo umas duas na cara e exigiria que a ele se dirigisse usando o nome correto. Se insistissem ficaria de mal, e pronto também.
A segunda coisa que fez foi mudar a data do nascimento e logicamente a idade. Talvez houvesse sido um erro do cartório ou de quem foi registrá-lo, mas tinha certeza que havia nascido numa data totalmente diferente, como também diferentes eram o mês e o ano. Na verdade, com a nova idade ficou mais novo cerca de oito anos.
A terceira coisa que fez foi quebrar o espelho do quarto e jogar no lixo todos os outros espelhos da casa. Agora não tinha mais dúvidas que todos eles tinham algum tipo de complô contra ele, fazendo armações para obscurecer a sua verdadeira feição. Ao invés de refleti-lo mais jovem, na sua idade verdadeira, teimavam em mostrar sempre um semblante muito mais velho e pouco atraente.
A seguir resolveu que não usaria mais óculos, cabelos penteados, sapatos, nem camisa de mangas e muito menos calças compridas. Ora, era muito mais jovem do que vinha se mostrando há muito tempo, por isso mesmo não ter cabimento continuar usando óculos de grau, roupas de adultos certinhas demais, calças compridas de brim e sapatos de cadarço. Dali em diante seria muito diferente, teria de bombar para acompanhar os modismos da juventude.
Mais tarde teria que sair para comprar uns bermudões incrementados, umas camisetas de malha sem mangas e bem coloridas, óculos de sol praiero e até uma prancha de surfista. As gatinhas gostam de surfista, de garotões que curtem ondas. Então sua nova idade permitiria muito bem que curtisse a vida adoidado. Não poderia deixar também de dar um grau no cabelo, deixá-lo mais solto e com alguns reflexos.
Fez uma fogueira com os discos de vinil que tanto apreciava e colocou na mesma ardência fitas e cds que até ontem não se desfazia por nada. Jovem que se preza não ouve Caubi, Dorival, Elis Regina, Maysa nem Emílio Santiago. Coisa do passado, música de fossa, cafona, sem nada que tivesse a ver com seu novo espírito jovial.
Ainda não sabia bem o nome dessas bandas novas, incrementadas e sons inebriantes, mas bastava procurar nos locais especializados em músicas para jovens que sabem curtir a boa e verdadeira música. Bombar, o negócio era bombar e bombar. O negócio agora era curtir a night, dar uns role e planar pelos shoppings à cata das minas.
Decisão própria, escolha pessoal, não poderia ser diferente: estava felicíssimo e não muito mais que isso porque sentia um certo remorso de já não ter tomado tal iniciativa há muito tempo. Assim, mais nada de remédio, de dieta, de etiquetas, de andar certinho e na linha. Muito mais jovem, poderia fazer agora o que de repente sentia-se arrependido por não ter feito.
O telefone tocou e disse que aquele que era ele havia desaparecido para sempre, mas se quisesse falar com um brother podia mandar ver. Tocaram a campinha e do lado de fora perguntaram se ele estava, mas lógico que respondeu que não morava ali, que aquele endereço agora era de pura curtição e local pra rolar muito arerê.
A mãe telefonou e antes de bater o telefone na cara ainda teve a petulância de dizer que ela tinha errado feio em mentir a data do seu nascimento no cartório. E que sua família agora era o mundo e só conhecia agora gente de sua idade e do babado.
O problema é que continuava apaixonado pela coroa. Imaginava-se rodeado de gatinhas, mas não tinha jeito, pois só sentia bem lembrando a coroa. A paixão era tão grande que chegava a chorar. O pior é que ela não dava a mínima esperança. Contudo, lhe veio uma luz e logo ficou sorridente ao imaginar que talvez ela gostasse das mudanças tão radicais. Coroa sempre gosta de garotões, pensou.
E de repente o telefone tocou e ele ouviu a voz dela do outro lado. E então a coroa foi logo dizendo: “Pensei muito e percebi que você é uma pessoa madura, não gosta de molecadas e age com um perfeito cavalheiro à moda antiga. E gosto de homens assim, maduros, vividos e não fingem a idade que tem. Vamos dançar um bolero hoje à noite?”.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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