Rangel Alves da Costa*
Recebo muitas críticas de meus conterrâneos, verdadeiros puxões de orelha desses irmãos sertanejos porque vivo muito ausente da minha terra, meu berço de nascimento: Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo. Ou simplesmente Poço Redondo.
Aliás, Poço Redondo é um nome descabido demais para ser colocado num lugar onde a seca, o esturricamento da terra e a pobreza espalhada pelos rincões comandam suas feições. Ouvir falar em poço redondo leva a imaginar um buraco cavado na terra e fundo o suficiente para atingir um lençol de água subterrâneo.
Mas o poço de lá é diferente. É poço redondo sim, imenso, profundo, mas apenas desejoso que caia gota d’água por cima da terra. Molhando o chão, encharcando o leito da semente, quem sabe depois a água escorre para se juntar ao veio talvez já existente em algum lugar.
O poço redondo que existia no riachinho que corta a cidade – e que deu nome ao lugar - há muito não existe mais. Do riachinho Jacaré só resta o leito devastado, ferido, sem pedra e areia, sem mata ciliar, sem nada. Em épocas de trovoadas, as águas que descambam da nascente escorrem desnorteadas, trazendo imundícies. Será preciso esperar mais duas ou três enchentes. E depois a sequidão, a cobra feia, o leito triste.
E era nesse leito que havia o poço redondo onde os primeiros habitantes do lugar, os velhos vaqueiros das raízes primeiras, levavam seus rebanhos para beber água salobra em épocas de estiagens. E de tanto falar nesse poço abundante, aberto na areia gorda do riachinho, a povoação surgida foi sendo conhecida também por Poço Redondo. E assim ficou quando se tornou município.
Hoje praticamente não existe mais riachinho e muito menos o poço. O Poço Redondo que continua existindo, e este sobrevivendo da força, da luta e da fé incansável do seu povo, de vez em quando se vê ajoelhado em súplicas. O homem, considerado pelo escritor como acima de tudo é um forte, ao lançar o olhar diante de tantas dificuldades se sente acima de tudo um desvalido.
Nesta época, por exemplo, mesmo com as chuvas que estão caindo de vez em quando, não se tem garantia alguma que amanhã será um novo dia. Ninguém pode dizer que a terra já estará pronta para ser semeada e que dali a alguns meses os frutos estarão sobre a mesa. Não. E não porque tudo muda repentinamente naquele sertão. É seu jeito de ser, infelizmente.
O que parece não mudar é a fome, a pobreza, a miséria, e tantas vezes absoluta. A fome da seca ainda persistirá muito tempo, e muitos jamais sairão da realidade mais sofrida que possa existir. Daí que dizer que vem chovendo no sertão significa muito pouco. Ademais, não seria errôneo afirmar que a pobreza não é fruto de uma ou outra estiagem, mas do abandono a que o homem foi relegado.
Não estou por lá, mas tudo isso me dói demais. Sofro a mesma dor do irmão, choro a mesma lágrima sertaneja. E só Deus sabe o quanto lamento não poder estar mais vezes naqueles arredores ensolarados, levantando na primeira luz do alvorecer e percorrendo os seus caminhos. Meu madrugar sertanejo outro não é senão ouvir o canto do galo já nas distâncias e lugares de pessoas mais humildes, empobrecidas, autenticamente sertanejas.
Não há nada melhor do que aproveitar o silêncio da alvorada, o clima ameno, e de chinelo no pé – como fazia o meu pai – seguir ao encontro daquela que abre a porta para varrer a calçada, daquele que já caminha para a sua lide, daquele outro reconhecendo o amigo e já gritando com palavra bonita na boca e braços abertos. E de prosa em prosa a vida e a aprendizagem. Assim é o meu passo e o meu percurso por lá.
Mas não nego que os meus amigos tenham razão em reclamar da minha ausência. Sei que deveria estar mais presente, viver mais o meu conterrâneo, dar logo início ao que me prometi realizar. O que me prometi realizar? É segredo que ainda não sei, ainda não ouvi de mim mesmo. E somente o meu povo poderá revelar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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