Rangel Alves da Costa*
Depois de muito tempo de voo procurando um galho seguro numa árvore frondosa, enfim o pássaro encontrou um lugar apropriado para construir seu ninho.
Fez inúmeros outros voos para juntar garranchos, folhas secas e tufos de algodão, e depois cuidadosamente erguer os costados de seu ninho. Um só vão, aberto, mas de profundidade adequada para deitar os ovos e chocá-los.
Uma moradia digna de um passarinho preocupado com seu futuro. Não demoraria para a filharada chegar e esta precisava nascer em ninho seguro, protegido das ameaças que rondavam por todo lugar.
Ameaças pelo ar e pela terra, e até pelo tronco e galhos da árvore. Gaviões malvados voavam em busca de ninhos desprotegidos e fáceis de destruir. Mas não sem antes quebrar os ovos e sangrar de morte as pequeninas vidas acaso existentes.
Mas também as cobras com suas crueldades silenciosas. Pareciam sentir cheiro de ninho, de ovos e de filhotinhos recém nascidos. Depois subiam sorrateiramente para engolir tudo. Quando o passarinho voltava não encontrava mais nada.
E eis que o pássaro construiu o seu ninho e nele depositou os seus ovos. Cinco, branquinhos e pequeninos. No momento certo, quando o tempo ficou mais quente e as nuvens começaram a mudar de cor, ele deitou em cima dos cinco e ali ficou transmitindo o calor da formação da vida.
Numa manhã sentiu fome e resolveu dar um rápido voo para procurar alimento. Não iria longe porque teria de voltar antes que a temperatura dos ovos esfriasse muito. Bicou numa fruta e noutra e depois voltou num rasante ligeiro.
Contudo, coisas terríveis aconteceram no breve instante em que se ausentou do seu ninho. Já duravam dois dias que uma cobra esperava o momento certo de agir. Primeiro permaneceu escondida embaixo sentindo o cheiro do ninho. Depois foi subindo devagarzinho no tronco, em direção ao abrigo passarinheiro.
Durante um dia inteiro procurou se ocultar por trás das folhagens, de modo a não ser avistada por aquele passarinho nem por nenhum outro. Acaso fosse descoberta corria o risco de ser alcançada pelo bico devorador e impiedoso do gavião. O gavião malvado mantinha uma inimizade profunda com todo tipo de cobra.
Escondida no seu lugar, deixando somente a cabeça fixamente voltada para observar o ninho, nem a língua cortada em tridente era colocada pra fora. Mas os olhos brilharam quando viu o passarinho alçando voo e deixando sua morada desprotegida. É agora, pensou a serpente. E seguiu se arrastando ligeira.
Assim que alcançou o ninho, de olhos brilhentos e agora açulando a língua num incontido e venenoso prazer, a cobra devorou, um a um, os cinco ovos. Deixou o ninho intacto porque ainda tinha outra maldade a fazer. Astúcia de víbora.
O passarinho ficou em tempo de enlouquecer quando pousou na beirada do abrigo e não avistou os ovos lá dentro. Sentiu o cheiro fétido daquela presença maldita, mas nem teve tempo de pensar em nada. Estava completamente tomada de desespero pelo acontecido.
Quando ia dar o primeiro pio de tristeza e dor foi vorazmente atacado pela cobra. Cantou sua última agonia já na boca venenosa. O bote foi tão certeiro que não havia como se esquivar, fugir, voar. E no instante seguinte as penas já estavam esvoaçando ao redor, caindo de cima da árvore.
Depois de cuidadosamente engolir o passarinho, a cobra espanou o ninho com o rabo e este se espatifou lá embaixo. Em seguida, de barriga cheia, resolveu que ficaria ali mesmo até fazer digestão.
Mas nem teve tempo de cochilar. De repente avistou o gavião malvado voando na sua direção. Seu algoz estava a caminho, o único pássaro que dilacerava cobras estava quase lhe alcançando. Então, sem saída, sabendo que iria ser morta, resolveu enfrentá-lo.
Quando armou o bote ouviu o pio do gavião dizendo que nem pensasse em atingi-lo. E ouviu também uma pergunta: Por que fez isso com o ninho, com os ovos e o passarinho? E ela mesma repetiu: Sim, por que fiz isso com o ninho, com os ovos e o passarinho?
Inesperadamente o gavião foi embora. E a cobra ficou se perguntando por que tinha feito aquilo com o ninho, os ovos e o passarinho. E depois, entristecida, disse que seria perdoada pela lei da natureza, da sobrevivência.
Mas não entendia porque os homens destruíam seus iguais, vez que sua sobrevivência obedecia a outras leis. E desceu da árvore e seguiu em busca de calcanhares humanos e dos seus ninhos dilacerados pelas suas próprias ações.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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