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sexta-feira, 10 de maio de 2013

O RETRATO DE TASLIMA AKHTER (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Neste dia 09 de maio, o jornal Folha de São Paulo reproduziu uma das fotos mais comoventes e estarrecedoras que já me deparei. Na imagem, a fotógrafa bengali Taslima Akhter retrata um casal soterrado num desabamento ocorrido em Savar, Bangadlesh, no último dia 24 de abril.
Emocionante, chocante, de um realismo indescritível, é o que preliminarmente se pode dizer da imagem que percorreu o mundo através das redes sociais. O que seria apenas uma fotografia terrivelmente chocante de mais uma catástrofe, acabou se transformando num poema de dor, de agonia, de desespero. E de amor. Principalmente de incondicional amor.
Após um dia inteiro de buscas, removendo toneladas de escombros, as equipes de socorro chegaram à cena inimaginável: um casal abraçado na morte. Ainda sujos pelo soterramento, um homem e uma mulher unidos naquele terrível instante.
Dois jovens, talvez esposos ou namorados, mas de indiscutível afetividade. Pressentindo que ela já estava morta ou em doloroso sofrimento, ele abraça-a, enlaça-a com seus braços, e sobre o seu peito deita a sua cabeça, num gesto que outra coisa não parece senão o de preferir morrer junto ao corpo amado.
Dois jovens, ela de blusa avermelhada e ele de camisa em tom azulado, mas tudo tomado de destroços e poeira. O corpo dela derreado para trás, com a cabeça inerte estendida, e ele com as feições ainda muito definidas: semblante jovem, cabelo escuro e curto, rosto esbranquiçado pela sujeira, de olhos fechados e algo incrivelmente visível na sua feição. Parecendo ciente que iria morrer, abraçou-se à amada numa ternura infinda. Sua mão esquerda chega adentrar a blusa dela, tocando-a pelas costas.
A sua feição não consegue dizer o contrário. Por estranho que possa parecer, mas a imagem não mostra senão um rosto de uma pessoa consciente do que fazia, do extremo gesto amoroso em momento tão desesperador. Ainda assim ele parece ternamente feliz, tomado de um amor maior no mais difícil momento. E uma lágrima escurecida parece escorrer dos olhos fechados do jovem.
Assim, mortos, no mais comovente e trágico dos abraços, foram retratados por Taslima Akhter. E a Folha de São Paulo reproduz suas palavras:  "Quando eu vi o casal, eu não pude acreditar. Eu me senti como se eu os conhecesse, eles se sentiram muito próximos de mim. Olhei para o que eram os seus últimos momentos, já que se uniram e tentaram salvar suas vidas queridas".
Não somente isso, Taslima, não somente isso. A morte em si é um fato inaceitável, doloroso demais para ser aceito em qualquer situação. Contudo, o que foi retratado se mostra como um misto de perversidade, de atrocidade contra o ser humano. Ora, o desabamento que deixou mais de 900 mortos e centenas de feridos ocorreu por omissão das autoridades, por negligência de empresários e desenfreada ganância.
No prédio que desabou funcionavam inúmeros cubículos onde pessoas se apinhavam para produzir roupas de grife para exportação. Pessoas não, um arremedo de gente em situação desumana e na semiescravidão que acabou perdendo a vida em nome da impiedosa exploração capitalista. A tal da alienação e do envergonhamento da condição humana.
E aqueles dois, quem sabe cheios de planos para um futuro que jamais aconteceria, acabaram sendo o retrato para a cruel moldura do mundo da ambição e da desumanidade. Enterrados já estavam. Sob escombros já haviam sido jogados sem flores nem piedade. Foram retirados dos entulhos e separados para um honroso sepultamente. Certamente fizeram assim.
Mas não deveriam. A fotografia de Taslima Akhter não deixa dúvidas de terem escolhido a união até no momento da morte. E aquele abraço dado, um abraço tão apertado e profundo, permanecerá como exemplo maior de que o amor se eterniza a partir de um breve momento. Mesmo no desesperado instante da partida.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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