Rangel Alves da Costa*
De feição luminosa, tênue, sublime, angelical, o anjo chegou. Recolheu as asas, se fez de manto, abraçou o seu guardiado, e depois chorou.
Não era anjo mensageiro, enviado para fazer revelações ou como meio de comunicação entre a pessoa e a divindade, mas anjo guardião, vindo para ficar e proteger. Com a força que trazia e possuía, não podia fraquejar, mas chorou diante do que encontrou.
Anjo da guarda, anjo guardião, ser angelical enviado dos céus para estar ao lado, prover, interceder, proteger e guardar seu protegido perante as forças nefastas do mundo. Amparo e escudo, a voz silenciosa que guia, a motivação que se sente nascer, chega para mostrar a estrada, guiar os passos, fazer renunciar a escolhas. E não devia chorar, mas chorou.
Mesmo que o guardiado não sinta, o seu anjo protetor sopra-lhe aos ouvidos, diz sobre o melhor a ser feito, sugestiona o coração, provoca disposições para o bem, tudo faz para evitar a ocorrência do mal. Sua responsabilidade é tamanha que sempre está pronto para, através do guardiado, vencer os desafios surgidos. Mas chorou antes mesmo de qualquer luta.
Anjo da guarda, anjo guardião, presença divina ao lado do ser, enviado para ser o outro consciente ao lado do ser duvidoso, presença que aconselha o espírito, predispõe a alma, norteia o indivíduo. Está atrás e adiante, ao lado e ao redor, primeiro vê e primeiro sente, primeiro impulsiona ao que deve ser feito. Mas por que o anjo chorou?
Ao proteger, o anjo se humaniza tanto, se apega tanto ao protegido, com este se envolve de tal forma que, muitas vezes, precisa que outro anjo, o mensageiro, chegue para ordenar e reorientar suas ações. Mas faz assim por amor, por amizade, por tanto gostar da pessoa que está guardando. E não deveria chorar. Mas chorou.
Mas anjo chora? Certamente que sim. Anjos voam, possuem orquestra e entoam belíssimas melodias, se misturam aos humanos e até se revestem do seu corpo em missões especiais, podendo agir com consequências imediatas. E até mesmo erram, pecam e se deixam macular, se tornam anjos caídos. Daí que também choram como aquele anjo chorou.
Verdade é que assim que desceu do céu e se pôs diante da pessoa que guardaria dali em diante, o anjo se viu fraquejado, um tanto impotente, entristecido demais e por isso mesmo chorou. Anjo de primeira missão, sem jamais ter enfrentado desafios e grandes dificuldades, se sentiu como que totalmente incapacitado ao sentir a feição de seu protegido.
Um jovem, de bela tez, largo sorriso e cheio de contentamento, na flor dos anos de realizações, porém envolto em sombras, tomado por espessa nuvem de perigos, ameaças, fraquejamentos, quedas e submissões. Não é justo que pessoa assim saudável, quase ainda na adolescência, com futuro brilhante pela frente, esteja tão tentado pelas forças do mal. O anjo disse a si mesmo, para chorar em seguida.
E foi assim que o anjo chorou, como choraria muitas outras vezes dali em diante. Ora, como ser descido do céu com a incumbência de guardar, proteger e conservar aquele colocado sob o manto de sua intercessão espiritual, e já no primeiro instante sente que tem de agir com força muito além daquela que acha possuir, logicamente que passa a temer. Mas não foi por isso que chorou.
O anjo chorou porque enxergou naquele jovem toda a juventude do mundo. E nos jovens todas as pessoas, todos os seres viventes. E se aquele jovem, cheio de força e disposição, dono de coração tão generoso, estava prestes a ser maldosamente atraído para os vícios mortais da vida, então o mesmo perigo estaria passando toda a humanidade. Foi por isso que a primeira lágrima desceu.
Daí em diante redobrou seus poderes, chamou para si uma responsabilidade de guarda ainda maior, passou a agir como se fosse o próprio jovem, a partir de sua mente e do seu coração. Mas o ser humano é frágil, se deixa envolver. Por mais que o anjo dissesse não vá, não faça, não experimente, pois é perigoso demais, mais a fraqueza do homem o deixava vulnerável às forças inimigas. E o jovem, contra todas as forças espirituais dentro de si existentes, incorria no erro, ia, fazia. E o anjo chorava.
O anjo chorou ainda mais quando o viu em frangalhos, dominado pelos vícios, transformado num ser abjeto e sem futuro. Porém decidiu não mais chorar. Ainda que se sentisse completamente fracassado na sua missão, resolveu que não mais choraria. Apenas soprou-lhe na alma todo o restante das forças divinas que tinha.
E em seu auxílio desceu o anjo mensageiro para dizer: Os anjos iluminam os seus guardiados, dão-lhes forças e os orientam para o bem da vida. O caminho da escuridão é uma opção que não cabe aos anjos impedir. Mas com a luz que ainda carregam certamente conseguem vencer o mal. E tal lanterna do renascimento lhe foi dada pelo seu guardião. Por isso que retornam ávidos pela presença do seu anjo, pela presença de Deus.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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