Rangel Alves da Costa*
Canta cantiga de lua, cantiga de roda, cantiga da meninada, nas noites verdadeiras, brincando de roda, poesia da vida.
Galopa na estrela cadente, na estrada da lua, no brilho da noite, um vaqueiro da infância atrás da sublime boiada.
Uma cantiga e um galope, uma menina brincando de roda debaixo do luarar, e um menino no seu cavalo de pau, galopando no açoite da ventania, ziguezagueando na noite em busca de sua estrela.
Um canto debaixo da lua e um passo no compasso da brincadeira. Mão que segura mão, passo que segue adiante, e sempre cantando a cantiga na festa da idade, na expressão maior e mais singela da meninice.
Um galope desembestado, apressado demais, veloz sem parar, porque tem de visitar a estrela, passar pela lua, esvoaçar pelos astros, e ainda ligeiro voltar, pois precisa ver seu amor na roda a rodar, cantando cantiga de amor, de amar.
Enquanto a roda começa a girar ele passa galopando ao lado, olha no olhar, quer oferecer um sorriso, soprar um beijo, e depois sai apressado em busca de uma estrela na lua.
Ela gira, ela roda, ela canta, ela anda, ela segue, rodando e rodando, cantando e cantando, ainda mais feliz porque sentiu aquele olhar, o sorriso bonito, o beijo guardado para um dia beijar.
Canta cantiga: Nesta rua, nesta rua, tem um bosque/ Que se chama, que se chama, Solidão/ Dentro dele, dentro dele mora um anjo/ Que roubou, que roubou meu coração...
Canta canção: Se esta rua se esta rua fosse minha/ Eu mandava, eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante/ Para o meu, para o meu amor passar.
E a roda gira, e a roda roda, ecoando a meninice: Como pode o peixe vivo viver fora da água fria/ Como pode o peixe vivo viver fora da água fria/ Como poderei viver, como poderei viver/ Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia/ Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia...
E ele, o menino do cavalo de pau, o cavaleiro do alazão encantado, o mais veloz dos vaqueiros da infância, não para um só instante no seu desejo de encontrar oferendas para presentear seu amor escondido e tão desejado.
Quis dar a lua inteira, o céu estrelado, todos os astros avistados, um cometa de chocolate coberto com chantilly, mas depois sentiu medo de ser rejeitado e visto como criança sonhadora demais.
Quis dar uma flor do jardim, uma flor da mata, um vaga-lume, uma fruta roubada em quintal. Quis dar até versinho escrito numa folha de papel. Quis tudo dar, porém tem medo que ela saiba de seu amor e diga que ainda é muito criança pra namorar.
Enquanto isso vai galopando apressado, seguindo pelos céus e depois voltando ao redor da criançada rodando na brincadeira, cantando a magia daquele momento da existência.
Enquanto galopa canta um aboio, que é um canto vaqueiro, assim: Vou laçar uma estrela por uma estrada perfumada/ Seguir na nuvem da noite em viagem enluarada/ Depois voltar num galope e abraçar a namorada...
Mas quando a noite avançava e a brincadeira acabava, a roda se desfazia e o cavalo era dado por cansado demais, era o momento de maior angústia e tristeza. Ele doidinho pra correr pra perto dela e dizer um segredo, e ela esperançosa que isso realmente acontecesse.
Então os dois seguiam, cada um pro seu canto, mas olhando pra trás em cada passo dado. Na imaginação, ela novamente sentia o beijo, o sorriso, a palavra. Como é bonito o meu cavaleiro, dizia enquanto virava a esquina. Como é linda minha flor, repetia ele tristonho.
E mais tarde sonhavam. Adormecidos sonhavam saindo da roda juntinhos e fugindo pelo espaço no cavalo de pau. O mesmo sonho nos dois. O mesmo amor nascido na singeleza da infância, nas brincadeiras de roda, nas piruetas do cavalo de pau.
Amanhã, quem se sabe se a valsa não os espera no grande salão da vida. E depois o galope no cavalo da esperança e da felicidade.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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