Rangel Alves da Costa*
As pessoas pensam que se refletem em fotografias. E as fotografias talvez imaginem que espalham as pessoas retratadas. Contudo, pessoas e retratos só possuem as molduras parecidas. Mais nada.
Mais nada não. Peço perdão. O tempo ou a idade de pessoas e retratos também envelhecem de forma igual. Talvez imaginem que não, pois os retratos, uma vez revelados, permanecem inalterados. Ledíssimo engano.
O ser humano envelhece o corpo, a fotografia também fragiliza sua condição; o indivíduo se vê tomado de rugas e cabelos brancos, o retrato amarela, enruga, fica sem brilho; a pessoa envelhece e definha até morrer, e o espelho e a moldura da fotografia também se quebram. E nada mais restará do carcomido semblante.
Contudo, é na condição presente do fotografado e da fotografia que se observa o dissociamento total. No retrato e no retratado é que se mostra o quanto a face de um em nada está contido no outro. E o pior é que muitas vezes a pessoa não é nem aquela do instante da foto nem do jeito que acabou revelada.
Os exemplos são muitos nesse sentido. Creio que a pessoa não precisaria de maquiagem nem de brilhos ou de repuxamentos nos cabelos se pretende ser fotografada para ter aquele momento como lembrança. Lembrar quem, se aquela pessoa retratada não se apresenta igual ao semblante verdadeiro?
Ora, não custa nada que a pessoa seja honesta consigo mesma. Tem de saber que uma foto expressa apenas um momento, apenas uma situação, e a face verdadeira permanecerá sem retoques ou penteados. Até que o tempo apague. De repente, um amigo encontra o retrato e diz: Mas como você está bonita!
Basta dizer isso para confirmar que a fotografia é uma coisa e a pessoa é outra. A fotografia é bonita porque foi trabalhada, produzida, retocada; e a pessoa penteada, maquiada, inventando um sorriso que não possui. Por consequência, o que acabará acontecendo é que a própria retratada mais tarde não se reconhecerá ali.
E não se reconhecerá porque sabe que ali foi tudo forjado para o momento ou até mesmo transformado através das tecnologias, do photoshop ou coisa parecida. E ao se olhar no espelho e encontrar sua verdadeira face, com o rosto nu, cabelos soltos, apenas ela mesma, por certo entristecerá. E quem sabe, num instante traumático, se pergunte: Por que não sou essa fotografia?
As pessoas têm de compreender que não podem mudar seus desígnios com um pincel, um milagre de salão de beleza ou depois de horas e horas diante do espelho. Por mais que façam, que se produzam, ainda assim tudo será apenas momentâneo, passageiro. E o que fica mesmo, o que sempre permanecerá, é o ser em seu estado de dádiva divina. E sempre muito mais belo do que em retratos que não representam absolutamente nada.
Não adiante querer mentir, fingir, forçar aquilo que não existe. A fotografia é vista e apreciada, mas a pessoa também. E sendo tão bela ao natural, correrá o risco de se tornar feia diante do espanto que causará no outro. E este pensará: Mas se mostrava tão bonita no retrato, e por que agora está tão diferente?
Ademais, é preciso que saibam que a beleza maior no ser humano, aquela que verdadeiramente cativa, está na sua sinceridade, no seu jeito puro de ser, na fraqueza de seu olhar sem brilho ou sombra e no realce de sua boca sem todas as cores da espátula. E não há salão de beleza ou horas seguidas de espelho que supere um semblante meigo, sublime e verdadeiro.
Assim, quem deseje ser recordado através de fotografia que também o faça através de sua própria pessoa. Os retratos, aqueles mesmos que são mostrados nas redes sociais ou são colocados nas paredes, de falsa serventia apenas para o momento, não suportarão encontrar, ficar a frente com a pessoa retratada. Os dois ficarão envergonhados.
E o olhar de alguém, como o melhor espelho que existe, talvez encontre um rosto em estado original, sem brilho forçado, e diga que, verdadeiramente, ali está a beleza.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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