Rangel Alves da
Costa*
Do rico e
instigante baú do professor Vilder Santos, recebo um recorte de jornal antigo.
Antigo mesmo, pois do extinto “Folha da Manhã”, “Órgão independente e
noticioso”, publicado em Aracaju a 23 de Julho de 1939 (ano II - núm. 431).
Portanto, já se vão 74 anos que o jornal publicava “A explosão d’uma grande dôr”,
cujo texto diz:
“Há dias,
conforme noticiaram o Correio de Aracaju e Folha da Manhã, um soldado de maus
costumes invadiu, alta noite, um lar capelense, com o intuito bestial de forçar
uma virgem de 14 anos. Não encontrando-a apunhalou friamente, barbaramente, um
seu irmão de 6 anos. Ontem, quando chegava a Capela, para o sumario de culpa o
soldado desordeiro, Jaconias de Alves, o pai da mocinha e do menino apunhalado,
Emídio José dos Santos, do Corpo de Bombeiros desta Capital, investiu contra o
mesmo, apunhalando-o, causando-lhe morte imediata.
A escolta
que acompanhava o soldado, segundo informações que tivemos, quis linchar o pai
assassino. O Capitão João Lins, que estava presente, e a quem o desvairado pai
entregou-se, não consentiu na chacina. Obrou bem, cumpriu o seu dever. Bela
atitude daquele oficial da Força Pública. O Júri que diga a última palavra
sobre o caso.
O que
podemos afirmar é que conhecemos o corpo de jurados de Capela. Ele saberá
julgar aquele pai que teve o seu lar infelicitado por um homem indigno da farda
que vestia.
Não
aplaudimos cenas dessa natureza. Lamentamos a pouca sorte dos contendores,
especialmente daquele humilde bombeiro que na explosão da intensa dor que o
atormentava, se fez criminoso.
Quem
poderá saber como estava o coração daquele pai desde o dia em que fora
apunhalado o seu filho de 6 anos?
Já houve
quem afirmasse que ‘o coração tem razões, que a razão desconhece’...”
Ao me
deparar com tal recorte, verdadeira relíquia da história jornalística
sergipana, logo me vieram à mente diversas e distintas situações. De início, a
percepção nas entrelinhas do texto de uma atitude jornalística muito mais
compromissada com a notícia relatada do que normalmente se tem nos dias de
hoje.
O relato
não é frio, não se distancia dos sentimentos do jornalista, não segue as regras
formais da mera informação. Pelo contrário, o relato fiel do acontecido - ainda
que este tenha sido de desmedida brutalidade - não está à margem da percepção
pessoal sobre o mesmo. O jornalista, ao tempo que noticia, deixa compreendida
sua opinião e até toma partido diante das circunstâncias.
O título
consignado deixa induvidosa a questão do jornalismo engajado, sentimentalmente
comprometido. Nos dias de hoje, de desenfreada violência e quase sem espaço
para noticiar tanto sangue derramado, jamais um jornal estamparia uma manchete
policial com “A explosão d’uma grande dôr”. Friamente estaria visível na
primeira página: “Pai mata policial que apunhalou seu filho”. E pronto.
Os tempos
são outros, logicamente. E nesses tempos de insensibilidade não há espaço para
romantização da notícia, principalmente quando ela envolve violência. A notícia
policial de agora não trilha outro percurso senão o de dizer que houve um
crime, as circunstâncias, as consequências e as vítimas. E somente isso, pois
não há mais lugar para que o próprio jornalista expresse sua percepção pessoal
diante do fato.
Impensável
que nesses dias sem culpa, uma notícia policial venha acompanhada de expressões
como “Obrou bem, cumpriu o seu dever. Bela atitude daquele oficial da Força
Pública. O Júri que diga a última palavra sobre o caso”; “Ele saberá julgar
aquele pai que teve o seu lar infelicitado por um homem indigno da farda que
vestia”; “Lamentamos a pouca sorte dos contendores, especialmente daquele
humilde bombeiro que na explosão da intensa dor que o atormentava, se fez
criminoso”; “Quem poderá saber como estava o coração daquele pai desde o dia em
que fora apunhalado o seu filho de 6 anos?”.
E, ao
final, a citação de uma máxima sentimental, nos moldes shakespearianos, mas que
é de Blaise Pascal: O coração tem razões que a razão desconhece. A notícia,
pois, vai além da descrição para se tornar numa crônica cotidiana, na narração
de uma realidade que envolve o leitor pelos sentimentos entrecortando as
palavras. E tudo como a demonstrar que até a violência pode ser informada sem
letras de sangue.
Quanto à
violência do fato, uma última conclusão. Se naqueles tempos, há mais de setenta
anos, já era assim, então quanto voraz foi o seu percurso.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro leitor do BLOGRANGEL-SERTÃO, se há setenta e quatro anos já havia crime de um potencial tão estarrecedor, diga-se hoje?
Vivemos num Planeta - embora tão bem criado pelo ARQUITETO DO UNIVERSO -, a violência não é somada lentamente, e sim, multiplicada grandemente.
Abraços,
Antonio JOosé de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba
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