SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

NO MEIO DO MATO


Rangel Alves da Costa*


Depois da estrada de terra até lá, seguindo por veredas, mata fechada e depois sem qualquer marco que indicasse onde estava, era coisa pra mais de dez quilômetros. E percorrido a pé porque de um ponto em diante nem animal de carga conseguia prosseguir.
Árvores espinhentas por todo lugar, mata espessa e traiçoeira. Pedreiras enormes escondiam nas suas tocas todos os tipos de animais. Ali morava a cobra que cospe fogo, também o guaxinim de oito cabeças e a onça que engolia um homem inteiro. Sem falar nos calangos de mais de metro e nas formigas de salto alto. Isso tudo existia ali, é o que diziam.
Assim, alcançar a moradia do velho do mato era coisa pra bandeirante, desbravador que tinha alguma coisa muito importante para encontrar. E mais difícil ainda porque depois de vencido boa parte dos perigos da mata, adentrava-se em lugar sem que existisse uma vereda sequer que levasse à tapera do homem.
E ao chegar, por mais que estivesse com cerca de duzentos metros adiante, ainda assim não dava para avistar nada da moradia do velho solitário da mata. Mas ele morava ali, depois da mataria fechada, escondido de tudo e de todos. Dizem que os passarinhos e os espíritos da mata corriam para avisá-lo toda vez que alguém ultrapassava a curva do espinho.  Daí em diante era tudo seu.
Logicamente que jamais sequer coloquei um pé naquela direção. Vontade não me faltou. Mas temo o desconhecido como a pecadora a língua da vizinhança. Tudo que sei sobre o percurso até lá, bem como o que pode ser encontrado, me foi repassado por algumas fontes. E a maioria não confiável, segundo acabei supondo depois de ouvir coisas inacreditáveis. Ora, não podia aceitar relatos devaneadores demais, beirando o realismo fantástico.
Um destes me asseverou que somente depois de cinco dias de caminhada, atropelos e ferimentos, conseguiu ser avistado pelo velho. Sorte que foi assim, pois desmaiou assim que conseguiu divisar aquilo que parecia uma tapera. Fraco demais, todo lanhado dos espinhos e pontas de paus, acabou sem forças e desabando diante do encontro tão desejado. Acordou deitado numa rede de cipós, debaixo de uma baraúna.
Ao abrir os olhos encontrou um braço estendido em sua direção. A mão levava uma caneca de taquara e nesta uma bebida esverdeada, que teve de engolir sem direito a perguntar do que se tratava. Bebeu, sentiu um gosto forte de sumo de folhas e depois começou a entorpecer em segundos. Adormeceu profundamente e só veio acordar na beira da estrada, bem no local onde havia entrado na mata. Não lembrava como havia chegado ali, apenas que havia sido despejado de lá. Voltar não voltaria, de jeito nenhum, ainda que estranhamente já estivesse curado de todas as feridas.
Outro me contou que conseguiu chegar até a casa e entrar. Chamou, mas como ninguém respondeu e não havia porta para ser batida, foi entrando para ver se encontrava alguém por ali. Mas para espanto seu, assim como não havia porta também não havia nada dentro da casa, nem mesa e bancos de madeira, fogão, panelas ou qualquer outra coisa. Absolutamente nada, apenas um retrato irreconhecível pendurado na parede de palha.
Saiu, deu voltas ao redor, gritou pelo velho, mas nada de alguém responder. Olhando atentamente em todas as direções, começou a avistar uma rede estendida num lugar, noutro um fogão de lenha apagado, e mais adiante uma cobertura de folhas de bananeira tendo por baixo uma moringa, canecos de madeira, panelas de barro. Então percebeu que o velho morava em todo lugar, menos naquela tapera armada.
O velho era homem do mato e na mataria fazia pousada. Três dias passou por lá sem conseguir avistar o morador. E no quarto dia tomou o caminho de volta. E hoje assegura, alardeia aos quatro cantos, que o velho não passa de um espírito da floresta, talvez um caipora, um curupira ou outro ser fantástico qualquer. Mas não posso duvidar que o velho realmente exista e que ainda reina nas suas distâncias escondidas.
Apenas uma fronteira separa o homem urbano, do progresso, do velho da mata. E tal limite está na compreensão que o jeito de ser e viver de cada um deve ser respeitado. E jamais ultrapassada essa demarcação.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

2 comentários:

Unknown disse...

Interesnate ! Muy buena entrada. Saludos!

Jorge Ramiro disse...

Interessante, agora todo mundo quer apartamentos mobiliados em buenos aires. Ou em qualquer cidade. Mas eu gosto do contato com a natureza. É uma questão de gostos.