Rangel Alves da
Costa*
Depois da
estrada de terra até lá, seguindo por veredas, mata fechada e depois sem
qualquer marco que indicasse onde estava, era coisa pra mais de dez
quilômetros. E percorrido a pé porque de um ponto em diante nem animal de carga
conseguia prosseguir.
Árvores
espinhentas por todo lugar, mata espessa e traiçoeira. Pedreiras enormes
escondiam nas suas tocas todos os tipos de animais. Ali morava a cobra que
cospe fogo, também o guaxinim de oito cabeças e a onça que engolia um homem
inteiro. Sem falar nos calangos de mais de metro e nas formigas de salto alto.
Isso tudo existia ali, é o que diziam.
Assim,
alcançar a moradia do velho do mato era coisa pra bandeirante, desbravador que
tinha alguma coisa muito importante para encontrar. E mais difícil ainda porque
depois de vencido boa parte dos perigos da mata, adentrava-se em lugar sem que
existisse uma vereda sequer que levasse à tapera do homem.
E ao
chegar, por mais que estivesse com cerca de duzentos metros adiante, ainda
assim não dava para avistar nada da moradia do velho solitário da mata. Mas ele
morava ali, depois da mataria fechada, escondido de tudo e de todos. Dizem que
os passarinhos e os espíritos da mata corriam para avisá-lo toda vez que alguém
ultrapassava a curva do espinho. Daí em
diante era tudo seu.
Logicamente
que jamais sequer coloquei um pé naquela direção. Vontade não me faltou. Mas
temo o desconhecido como a pecadora a língua da vizinhança. Tudo que sei sobre
o percurso até lá, bem como o que pode ser encontrado, me foi repassado por
algumas fontes. E a maioria não confiável, segundo acabei supondo depois de
ouvir coisas inacreditáveis. Ora, não podia aceitar relatos devaneadores
demais, beirando o realismo fantástico.
Um destes
me asseverou que somente depois de cinco dias de caminhada, atropelos e
ferimentos, conseguiu ser avistado pelo velho. Sorte que foi assim, pois desmaiou
assim que conseguiu divisar aquilo que parecia uma tapera. Fraco demais, todo
lanhado dos espinhos e pontas de paus, acabou sem forças e desabando diante do
encontro tão desejado. Acordou deitado numa rede de cipós, debaixo de uma
baraúna.
Ao abrir
os olhos encontrou um braço estendido em sua direção. A mão levava uma caneca
de taquara e nesta uma bebida esverdeada, que teve de engolir sem direito a
perguntar do que se tratava. Bebeu, sentiu um gosto forte de sumo de folhas e
depois começou a entorpecer em segundos. Adormeceu profundamente e só veio
acordar na beira da estrada, bem no local onde havia entrado na mata. Não lembrava
como havia chegado ali, apenas que havia sido despejado de lá. Voltar não
voltaria, de jeito nenhum, ainda que estranhamente já estivesse curado de todas
as feridas.
Outro me
contou que conseguiu chegar até a casa e entrar. Chamou, mas como ninguém
respondeu e não havia porta para ser batida, foi entrando para ver se
encontrava alguém por ali. Mas para espanto seu, assim como não havia porta
também não havia nada dentro da casa, nem mesa e bancos de madeira, fogão,
panelas ou qualquer outra coisa. Absolutamente nada, apenas um retrato
irreconhecível pendurado na parede de palha.
Saiu, deu
voltas ao redor, gritou pelo velho, mas nada de alguém responder. Olhando
atentamente em todas as direções, começou a avistar uma rede estendida num
lugar, noutro um fogão de lenha apagado, e mais adiante uma cobertura de folhas
de bananeira tendo por baixo uma moringa, canecos de madeira, panelas de barro.
Então percebeu que o velho morava em todo lugar, menos naquela tapera armada.
O velho era
homem do mato e na mataria fazia pousada. Três dias passou por lá sem conseguir
avistar o morador. E no quarto dia tomou o caminho de volta. E hoje assegura,
alardeia aos quatro cantos, que o velho não passa de um espírito da floresta,
talvez um caipora, um curupira ou outro ser fantástico qualquer. Mas não posso
duvidar que o velho realmente exista e que ainda reina nas suas distâncias
escondidas.
Apenas uma
fronteira separa o homem urbano, do progresso, do velho da mata. E tal limite
está na compreensão que o jeito de ser e viver de cada um deve ser respeitado.
E jamais ultrapassada essa demarcação.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Interesnate ! Muy buena entrada. Saludos!
Interessante, agora todo mundo quer apartamentos mobiliados em buenos aires. Ou em qualquer cidade. Mas eu gosto do contato com a natureza. É uma questão de gostos.
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