Rangel Alves da
Costa*
Como
alguém que parece não ter gostado muito de sua estadia, o ano arrumou as malas
e foi embora quase como um alívio. Contudo, não deveria partir sem antes
oferecer respostas a algumas questões que lhe foram propostas. Muito lhe foi
questionado, colocado em debate, mas quase nada respondido.
Seria até
o caso de se pensar na possibilidade de um novo ano não se iniciar antes que os
problemas do ano velho ainda não estivessem resolvidos. Por isso mesmo é que se
acumulam os problemas e sempre surgem as falsas promessas que logo tudo será
resolvido. Mas impossível, pois as mudanças trazem outros dilemas que vão
deixando os outros no esquecimento. São esquecidos, porém continuam afetando a
vida da sociedade.
Problemas
vão surgindo no percurso do ano que jamais deveriam deixar de ser solucionados
no seu próprio tempo. Tanto os governantes como os políticos, assim como as
instituições e a sociedade, precisam dar respostas aos questionamentos por eles
mesmos produzidos. E rapidamente, eis que muitos buscam propositalmente o
esquecimento para aquilo que lhe desagrada e afeta. É a outra parte que deve
exigir a prestação de contas.
Mas a
verdade é que ano após ano os problemas vão se acumulando. E nesse verdadeiro
lixão de coisas velhas e novas não resolvidas vão se acumulando reformas
essenciais na política, pleitos para a melhoria da qualidade de vida da
população, mudanças nas leis e no funcionamento das instituições, mas
principalmente aquilo que o povo mais cobra a cada ano: a moralidade, tanto nos
poderes como nos seus agentes.
O ano
acaba sem que as manifestações de junho possuam mais qualquer eco. Naqueles
instantes em que as massas saíram às ruas com bandeiras e gritos de
reivindicação, e que por dias seguidos deixaram políticos e governantes
encurralados e temerosos, tudo parecia exigir respostas rápidas e coerentes.
Mas quando as ruas foram silenciadas tudo voltou ao normal, ao que tanto
afligia a população.
Não é
difícil recordar da imprensa falando em políticos espantados com aqueles
espasmos populares, sem saber suas motivações e até onde aquelas ondas de
cidadania chegariam. Temeram pela própria pele e também pelo futuro. E num
instante encontraram pautas como respostas aos anseios das ruas. A governante maior
prometeu medidas de urgência, congressistas anteciparam votações, o planalto
inteiro se moveu para amainar aquela multidão despertada do sono em berço
esplêndido.
E o que
houve depois que as bandeiras foram guardadas e os gritos de revolta
silenciaram? Nada, absolutamente nada. Promessas foram feitas, medidas sem
efeito duradouro foram estabelecidas, e os principais pontos de reivindicação
foram sendo colocados debaixo do tapete. E como sempre ocorre numa população
que não tem firmeza nas suas exigências, os políticos e governantes se
aproveitam do seu rápido esquecimento e tudo volta à normalidade de antes. Ou
seja, nada muda no país dos absurdos e esquecimentos.
Será
preciso, pois, que a própria população responda a si mesma porque negligencia
tanto com suas ações e se faz refém por conta própria. A multidão que foi às
ruas precisa urgentemente responder por que, além de acovardar diante das
promessas, se tornou ainda mais submissa, incoerente com os próprios atos,
beijando a mão de seus algozes.
Ora, inconcebível
que um povo seja uma coisa num instante e no outro já esteja totalmente
irreconhecível. E a prova maior que gosta de ser subjugado está na aprovação
das ações palacianas, cuja mandatária será reeleita como num passeio por cima
do tapete florido do povo. E com os votos daqueles mesmos que saíram às ruas
exigindo isso e aquilo, e que, mesmo sem obter respostas, resolveram agora
endeusar quem os sacrificava.
Muitas
outras questões continuam sem respostas, e o ano não pode acabar com esse
cabedal de dúvidas e incoerências pairando no ar. Ou a sociedade aprende a
tomar uma postura civilizada, com pessoas agindo com racionalidade e coerência,
reivindicando e permanecendo na luta até obter respostas satisfatórias, ou o
país permanecerá nesse estado de letargia e de escravização social. Mas sobram
as espertezas políticas, os lamaçais nas governanças, os distanciamentos entre
os poderes e a sociedade aviltada. Logicamente porque assim deseja.
O ano não
deveria terminar sem que houvesse respostas para as contradições entre os
gastos para a copa e o que é investido em educação e saúde; sem que leis
contraditórias ora permitam ora neguem o direito à publicação de biografias sem
a autorização do biografado ou de sua família; sem que dirigentes de partidos
políticos peçam desculpas pelos ataques injuriosos proferidos contra as
decisões soberanas da corte máxima de justiça.
Que o ano
termine e venha o próximo no seu normal percurso, mas não seria nada demais que
o feliz ano novo não levasse consigo as cinzas ainda não dispersadas do ano
velho, sob pena de que os horizontes futuros permaneçam ainda ofuscados pelo
que deixou de ser resolvido. É apenas uma questão de desejar ter um futuro
construído sem os alicerces apodrecidos do passado.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Perfeitamente caro Rangel, tão bom seria se o velho ano não levasse "restos" para o novo ano, embora ele, (o ano) nada tenha a ver com as mazelas que corroem a Sociedade. Bastaria que a moralidade passasse por uma boa correção. Já seria um bom começo.
Abraços desejando um ano moralmente sadio.
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Bahia.
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