Rangel Alves da Costa*
Segundo Lord Byron, todos os tempos, quando passados, são bons. Acrescento apenas que talvez pelo reconhecimento e valorização daquilo que ficou para trás. O passado é bom à medida que vale a pena reencontrá-lo.
O novo, o agora, dificilmente é visto como algo exemplar, como vivência que mais tarde será boa saudade. Somente na peneira das realizações é que as ações se tornam dignas de relembranças. Há, pois, um recorte nos acontecimentos, deixando que apenas uma parte seja o reflexo de tudo.
Os retratos e fotografias, as cartas e os bilhetes, pequenas joias e bijuterias, embrulhos com seus segredos, pequeninas lembranças guardadas em baús, se tornam tão essenciais na relação entre presente e passado pelo valor sentimental proporcionado pelos anos.
O que ficou para trás é rebuscado por uma imperiosa necessidade de existência presente. Ao se sentir no vazio dos dias e na nulidade nas realizações, a real importância do ser humano só é reencontrada perante os feitos passados.
Assim, o passado é a outra pessoa que ninguém quer afastar de si, pois sendo verdadeiramente ela mesma e espelhando o melhor que há. Por isso mesmo que os retratos e as cartas passadas possuem o dom da renovação espiritual, ainda que de maneira dolorosa e triste.
Mas é compreensível a aflição e o entristecimento no reencontro com o passado. Ali os laços familiares, as primeiras raízes, os amores deixados para trás, os encontros desencontrados, toda uma história que acabou permanecendo com aquela feição.
No reencontro, o desejo incontido de voltar no tempo para rever ou realizar de modo diferente muito daquilo que tomou outra feição. Ou mesmo apenas reviver cada passo de momentos felizes e inesquecíveis. Porém tarde demais, restando apenas enxugar a lágrima.
Mas não somente o tempo passado guardado em baús, em trancas e fechaduras, mas também o tempo da memória mental, do pensamento vivo a cada açulamento na relembrança. De repente, e se está imaginando algo muito distante, feito um dia ainda criança, praticado num inesperado momento.
E o passado também do espelho, da idade, do calendário, do tempo mesmo. Olhar-se diante do espelho e perceber as marcas, as mudanças, os cabelos brancos, os olhos com menos vivacidade, ou tudo aquilo que represente transformações no percurso de vida. Ah, quanto tempo já passou desde o sorriso diante da boneca de pano ou do carrinho de madeira envernizada!
A tabuada, o caderno de caligrafia, a professorinha, o banho nu debaixo da chuva, o cavalo de pau amigo da mataria, a casinha de boneca, a fruta do quintal do vizinho, a descoberta da sexualidade, o primeiro beijo, o primeiro amor. O primeiro tudo e a eternidade no pensamento. Daí o doce reviver de tais inesquecíveis momentos.
O tempo rememorado quando enxerga um vaso de flores, a cortina da janela balançada pela ventania da tarde, o café que cheira um aroma antigo lá na cozinha, a cristaleira ainda mesma do tempo da mamãe, a cadeira de balanço ainda do tempo do papai. E aqueles retratos em preto e branco na parede, aqueles sorrisos distantes, aqueles olhares profundos e tão presentes.
Há o velho banco no jardim, a árvore frondosa que ainda persiste no quintal, os velhos discos guardados em mala de couro. Há uma Bíblia marcada com folha seca, um caderno com receitas de bolo, um chapéu guardado num canto do guarda-roupa, um velho anel de noivado. E vozes que ainda ecoam na melodia da existência.
Tempos distantes, tempos passados. Mas o tempo não precisa ser tão envelhecido para ser saudade. A memória do ontem é a mesma daquela que rebusca primórdios. A validade da relembrança está na importância que se dá ao acontecido, ao ido, ao vivido. Por isso que o segundo atrás já pode ser visto como joia preciosa guardada em baú. Contudo, somente o tempo dirá por quê.
Por tudo isso não me nego em reencontrar o meu ontem. Compartilho presente e passado na necessidade de continuar existindo. Se sou o que sou agora é porque fui construindo a minha estrada, a minha feição. E nada do que eu trouxe e sou deixou de ser aquilo que veio primeiro, desde as primeiras raízes, desde um tempo muito distante.
Poeta e cronista
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