Rangel Alves da
Costa*
Nada
justifica manter pássaros engaiolados, aprisionados, distantes das vastidões de
suas moradias. Pássaro nasceu para voar liberto, para cantarolar nas alturas,
para revoar ao entardecer e viver sua vida passarinheira como bem desejar.
Pássaro nasceu para ter a natureza como moradia e ninho como lugar de repouso.
Pássaro é
sinônimo de liberdade; seu voo expressa a possibilidade de caminhos sem limites
ou fronteiras; seu canto significa o desvendar da paisagem que adiante avista.
Seu pouso logo faz pensar no merecido descanso depois de um itinerário; a
construção do seu ninho remete ao lugar seguro e confortável que todos precisam
ter, inclusive os humanos.
Daí a
certeza que nada justifica dar outro sentido ao viver em liberdade dos
passarinhos. Muitos tentam justificar o amor que sentem pelos pequeninos para
mantê-los encarcerados, forçando-os a trinar para o deleite de sentimentos
inexistentes. Covardia, desumanização, desrespeito à natureza e suas espécies,
perda absoluta do senso de liberdade. E que amor é esse que se expressa através
da imposição do sofrimento?
Mas parece
não ter mesmo jeito. As leis de proteção aos animais de vez em quando são
aplicadas e gaiolas e pessoas são apreendidas, viveiros têm seus cadeados
forçadamente abertos, criatórios são devidamente lacrados, mas ainda assim
persistem as ações criminosas. E isto porque é de grande rentabilidade a
comercialização de um pássaro cantador, principalmente se sua espécie está em
extinção.
Ainda
encontro muitos pássaros engaiolados pelas veredas do meu sertão sergipano.
Pergunto a cada um por que mantê-los aprisionados se bastam poucos passos e já
estarão na mataria ouvindo seus cantos e presenciando seus voos, mas nunca
obtenho uma resposta satisfatória. Também não compreendo por que aumentam a dor
dos bichinhos ao levá-los, todas as manhãs, para ser pendurados nas
catingueiras ao redor.
Passam
caminhando com suas gaiolas e se dirigem para além da cidade, sempre em busca
de outros pássaros que estejam passeando ao amanhecer. Penduram suas gaiolas
nas galhagens e ali deixam por uma ou duas horas. Dizem apenas que é para que
tomem um merecido banho de sol em meio à natureza. Mas sei que não. O objetivo
é outro, totalmente diverso e bem mais desumano.
Eis que
conduzem os passarinhos até a mata simplesmente para que não entristeçam de vez
na gaiola e assim percam todo gosto pela cantoria. Um passarinho triste e
silencioso não vale nada, ninguém vai oferecer um tostão por um canário
fúnebre, um sabiá melancólico ou um cabeça cabisbaixo e emudecido. E não
somente isso, pois intencionam também reanimá-los diante dos companheiros em
liberdade. Depois disso se tornam iludidos e cantarolam festivamente nas suas
gaiolas. Assim imaginam os criadores.
Mas que
coisa mais terrível e brutal. Colocar o pássaro engaiolado diante do outro em
liberdade para que aquele, na ilusão do ânimo, da alegria e do voo deste,
também faça o mesmo na sua prisão. Quer dizer, observando o canto, o bater
asas, a vivacidade daquele que tem o horizonte como portal de tudo, do mesmo
modo se anime e gorjeie na sua vida de enclausuramento.
Lamentável
que assim aconteça. Ora, só mesmo o insensato e desumano criador para não
perceber que tal atitude provoca sentimentos terríveis na pequena ave.
Utilizando de uma bizarra ilustração, seria o mesmo que levar prisioneiros
engaiolados para tomar banho de sol diante de seus lares. Ao invés de
proporcionar alegria e encorajamento, logicamente que provocará uma sensação
ainda mais terrível de aprisionamento, de perda da capacidade para a liberdade,
de absoluta impotência.
E qual
renovação espiritual pode ter um passarinho depois de alguns instantes diante
daqueles irmãos que estão usufruindo de tudo o que a natureza possa oferecer,
com seus voos, seus ninhos, seus amores, seus frutos, seus grãos, sua liberdade
de canto e de repouso? Certamente voltará da natureza ainda mais ferido e
triste.
E talvez
até cante um canto novo, o mais belo que possa existir. Mas será o último
cantar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Uma vez quiseram dar-me um canário. Eu disse que ia soltá-lo. A pessoa não me deu. Arrependi-me, pois não deveria ter dito nada.
Postar um comentário